2008-02-04

Motas. Carros e Camiões

(Route 66 - Notas de viagem III)
Os americanos movem-se. Há quem diga que são incapazes da andar mais de duzentos metros a pé, no que se parecem muito com os portugueses. Movem-se, preferencialmente de carro que o país é grande e a gasolina é barata (€ 0,65/litro). Desde Chicago já tínhamos reparado que agora andam de SUV. Enormes, quase todos, até ao exagero do Cadillac Escalade, grande como uma casa (403 cavalos, 6.2L, V8. Começa nos € 43.000). O pessoal mais fashion anda, como em Portugal, de Mini Cooper, de Volkswagen Beetle ou de Mercedes CLK. Das grandes banheiras americanas que agora são peças de museu nas margens da Route 66, sobram os Ford Crown da Yellow Cab que pintam de amarelo as ruas de New York. Mas, verdadeiramente, só quando sulcávamos um Mississipi barrento e caudaloso a bordo do Tom Sawyer, num passeio que vale a pena sobretudo pela espantosa beleza plástica do St. Louis Gateway Arch, alertados pelo ruído do comboio de mercadorias que foi crescendo, crescendo, até ocupar a totalidade da ponte enquanto os vagões continuavam a nascer da margem esquerda até lhe perdermos o conto, tomámos consciência de que por cá os meios de transportes são grandes, muito grandes. Cem vagões? Não pode ser! Eram mais.
O padrão havia de se repetir dali até Barstow, CA, as paisagens planas e calmas, torrando sob um sol inclemente de 102ºF, regularmente rasgadas por mais um comboio. O clímax é em Flagstaff, AZ, onde, dia e noite, a escassos minutos de intervalo, passa mais um: cento e vinte vagões, cada um com dois contentores (metade deles da China Shipping) sobrepostos, tudo puxado por quatro poderosas máquinas. Acho que vocês não estão a ver. É preciso ficar ali, junto à passagem de nível, durante mais de dois minutos que parecem não acabar, a sentir o chão tremer, a deslocação de ar, como vento forte a fustigar-nos a cara e aquele imenso ruído metálico a estalar-nos nos ouvidos. Às tantas, proibimo-nos de contar mais vagões.
Nas zonas rurais, impõem-se as pickups, inchadas também elas, à frente de todas a Ford Super Duty, rodado traseiro duplo, 2,4 metros de largura e 7 de comprimento e 300 cavalos e 8 cilindros num motor de 5,4 litros ( o Cadillac Escalade tem um motor maior. Os Hummer, que também são muitos, podem chegar aos 6,8 litros e aos 390 cavalos. É estúpido, não é?), uma amarração no centro da caixa, sobre o eixo traseiro, onde repousa um engate em forma de pescoço de ganso, arrastando um reboque longo adaptado às mais diversas utilizações: caravana, transporte de animais, de fardos de palha e das mercadorias mais diversas.
Os camiões são, talvez, mais de metade dos veículos que circulam nas Interstates que substituiram a velha Route 66. Uma caixa de carga de 51 pés de comprimento, puxada por um tractor que tem atrás da cabina uma assoalhada de 6m2. Não vi por dentro mas tenho pena e imagino: instalações sanitárias, cama e kitchenet. Acaba tudo numa caixa do motor que na pequena Europa, para poupar comprimento, há muito meteram debaixo dos pés do motorista.
As caravanas e autocaravanas (RV - recreation vehicles) afinam pelo mesmo diapasão. Cada uma delas do tamanho de duas das que estamos habituados a ver e uma curiosidade: rebocam, ligado por um tirante triangular para estabilizar a direcção, o carro da família.
Motas são Harley-Davidson, aqui a ali com uma Honda ou uma Suzuki intrometida, em grandes grupos à porta dos cafés e restaurantes das estradas secundárias, montadas por gigantes mal barbeados, em romagem pela Mother Road of América.
Tudo, carros, motas e camiões, circula às exactas 75 milhas por hora sob a vigilãncia atenta da polícia, estacionada na berma ou no separador central da Interstate, pronta a arrancar no encalço do primeiro prevaricador. Lembram-se de The Dukes of Hazzard?
Há dois sítios onde podemos aprender quase tudo sobre transportes na América: Santa Rosa, NM, é uma bomba de gasolina no deserto, a caminho de Santa Fé. Não vou explicar. Eu, nunca tinha visto nenhuma parecida nem, muito menos, tão grande. A Gay Pride de São Francisco é um enorme Carnaval em Junho: Centenas de Harleys abrem o desfile e seguem-se durante horas e quilómetros, carros, camiões, segways, bicicletas e patins e sapatos, que também muitos desfilaram a pé. Num pequeno largo, no entroncamento da Market Street com uma rua secundária, um gay tímido, volteia sobre os patins em linha, sonhando, em suaves volutas, com o principal papel feminino de um qualquer ballet clássico. Na avenida, lá para o fim do desfile uma avultada delegação da polícia, o carro patrulha de pirilampos ligados escoltado por enormes matulões devidamente fardados, as mãos dadas em enlevos discretos. Mais atrás, a delegação da Legião Americana, uma parte deles, talvez por já demasiados trôpegos, abarrotando um eléctrico. Os outros a pé, de fardas devidamente engomadas, o peito coberto de medalhas. Todos afirmando o seu orgulho gay, apenas divertindo-se ou, melhor seria, proclamando que cada um devia poder ser o que quer ser. Em qualquer caso, vistas as rugas, o andar titubeante, a curvatura das costas e calculada a concomitante idade, muitos, certamente, já não sexuais.

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