2008-02-17

Route 66 - Notas de Viagam VI




11-6-2007 - 2.º dia na estrada

Como previsto no plano traçado, às 8h00 era tempo de estar sentado ao volante e iniciar a viagem que hoje ía ser longa. Segundo o MapQuest, 668 Km e 7H20 de condução haviam de nos levar até Tulsa, OK, com paragens em Carthage e Joplin, ambas ainda no Missouri.
Acabámos, como noutro lado expliquei, por nos demorarmos em Cuba e, também, em Spingfield (onde almoçámos no George Steak Restaurant, os quatro por $25,00) e, mais ainda, em Carthage. Estamos em pleno palco da Guerra Civil: Em Cuba, Springfield, Carthage e todo o Missouri travaram-se violentas batalhas que hoje se recordam em museus, memoriais, bibliotecas e desfiles.
A ana conduziu pela 1ª vez.
Desde Chicago que o Weather Channel nos vinha avisando que havia uma tempestade que assolava o Kansas e o Oklahoma e, depois, o Missouri e se dirigia para Leste. Não demos por ela que terá passado por nós na noite anterior enquanto dormíamos mas, chegados a Tulsa, lá estava na televisão o costumado repórter estérico excitado, a ampliar o fenómeno e as pequenas cheias e a entrevistar velhinhos desdentados. O único testemunho que vimos com os nossos olhos foi nos arredores de Carthage e era constituído por dois americanos patuscos, de pronúncia cerrada e quase incomprensível que pescavam bem dispostos na estrada, tentando apanhar algum peixe distraído que tivesse vindo no transbordo do Kellogg Lake.
Carthage tem uma arquitectura muito interessante com um valioso e, por estas bandas, raro conjunto de edifícios de pedra, construídos na viragem do Séc. XIX para do Séc. XX e já hoje, na sua maioria, incluídos no National Register of Historic Places. Importa visitar o Carthage Historic Square, em torno da Jasper Couty Couthouse e fazer o Victorian Home Driving Tour. Não é preciso perguntar a ninguém. Também aqui há um Convention and Visitors Bureau, onde abundante e qualificada informação está à disposição gratuita dos visitantes.
Mais 25 Km andados e estamos em Joplin. A paragem não tinha razão especial, apenas estava no caminho e o plano indicava que, de Springfield a Tulsa iríamos pela Route 66 olhando as pequenas povoações que se sucediam, para chegar ao destino às 17H00. Demos uma volta e seguimos, a caminho do Oklahoma. Chegámos a Tulsa mais tarde que o previsto, está bom de ver, mas ainda a tempo de jantar, não muito bem mas ridiculamente barato, no Captain D’s seafood kitchen.






2008-02-13

Ted Drewes Frozen Custard


Route 66 - notas de viagem V

9-6-2007 - Primeiro dia na estrada
Levantámo-nos às 6H30 da manhã, com um sol radioso que, aliás, já ía alto e saímos de Chicago mergulhando na Interstate 55 com o propósito de seguir até Springfield. Quem diz que o Alentejo é plano nunca andou por estas bandas, anotei no caderno. O Illinois é plano. Plano e verde, plano e verde durante centenas de quilómetros. Paramos em Pontiac para esticar as pernas e fizemos o nosso primeiro troço da Route 66, onde o João se estreou a conduzir. Em Bloomington um engano obrigou-nos a dar umas voltas suplementares. Aproveitei para, numa estação de serviço, fazer o que já devia ter feito antes: obter o mapa oficial das estradas do Estado.
Por estas alturas já estava quase convertido às virtudes das mudanças automáticas e convencido de que conduzir nos EUA é muito fácil. Tudo à mesma velocidade, tudo muito certinho, tudo muito bem sinalizado. Sem sinais, diga-se. Os sinais de trânsito nos Estados Unidos são poucos, muitas vezes substituídos por placas onde, simplesmente, se escreve o que o condutor deve ou não deve fazer. O mais curioso de todos e frequente é, aliás, escrito em letras garrafais no próprio alcatrão PEDXING, cujo significado só o João descobriu: Pedestrian Crossing. Estranho para um português é o facto de os semáforos estarem, em geral, colocados depois do cruzamento. Mas a adaptação foi muito fácil e, poucos cruzamentos depois, já estávamos todos convencidos de que a medida é inteligente. Tem, pelo menos, duas vantagens: pode-se virar à direita com o sinal vermelho e o nome das ruas transversais está quase sempre bem visível numas placas verdes e compridas colocadas no mesmo suporte do semáforo.
Chegados a Springfield fomos direitinhos ao Cozy Drive In. Trata-se de um dos estabelecimentos clássicos da Route 66, cheio de turistas, de memorabilia da Route 66 e de Harley’s estacionadas à porta, num cenário que se há-de repetir ao longo da viagem. O Cozy Dog é bom mas as batatas fritas que o acompanhavam tinham um ar perfeitamente desgraçado, moles e negras, como se tivessem sidos feitas em óleo usado vezes de mais. Não há álcool. Há uma coisa pavorosa chamada Bier Route 66. Sabe a qualquer coisa parecida com elixir bocal. Na generalidade dos restaurante americanos não há alcool. Parece que para vender alcool é precisa uma licença especial e, de qualquer modo, na maioria dos Estados é, de todo, desaconselhável cheirar alcool quando se conduz. No illinois, por exemplo, exceder a taxa máxima de alcoolémia permitida nos condutores é motivo para penas duras que podem incluir a cassação da carta, um ano de prisão e $2000 dólares de multa
Springfield (terra de Lincoln) é uma cidade estranha. Capital do Illinois, funciona de segunda a sexta. Hoje é sábado e, por isso, está deserta de políticos e de funcionários e só os turistas lhe dão alguma animação. O Capitólio, onde fizémos uma visita guiada e Barak Obama lançou a sua candidatura presidencial, é um edifício muito interessante, na sua traça neoclássica, de planta em cruz, com cúpula central, semelhante a diversos Capitólios que se podem encontar em outras capitais de Estado americanas. A loja do museu Lincoln (aqui tudo parece girar à volta de Lincoln) tem tudo à venda, até pedaços de madeira, certificados e numerados, da casa de Lincoln. Em frente há uma antiga estação de comboio da Amtrak, impecavelmente recuperada. Bonitinha, mas parece Walt Disney. Eu nunca diria que se tratava de uma estação de comboios. Deviam ter deixado um bocado de linha para orientar os distraídos.
Chegámos cedo ao Motel que tinhamos reservado em St. Louis North. A par do de Hollywood foi o pior Super 8 que conhecemos. Os quartos até nem eram maus e pareceram limpos mas a alcatifa do Hall de entrada que é ao mesmo tempo recepção, sala de estar e sala de pequenos almoços, essa, não via uma limpeza decente há demasiado tempo.
A fim da tarde fomos até St. Louis. O Busch Stadium estava a abarrotar de gente. A Lena descobriu no Route 66 Dining & Lodging Guide que tínhamos comprado na Amazon para ajudar a planear a viagem que, em Chipewa, a sul de St. Louis, há uma gelataria a não perder. Encontrámo-la com facilidade. Grande espectáculo. Em volta de uma pequena casa de madeira com um balcão dando directamente para a rua, com uns taipais levantados à maneira das roulotes de couratos no Campo Grande em dia de futebol, dezenas e dezenas de pessoas, famílias inteiras, a comer gelados servidos em enormes copos de papel encerado. Gelados bons, aliás. Foram o nosso jantar. O Ted Drewes Frozen Custard merece bem a estrela (worth making plans to visit) que o Route 66 Dining & Lodging Guide lhe atribui.

2008-02-05

Barcos, Alturas e Limousines

(Route 66 – notas de viagem IV)
A meu ver, se há coisa que nunca se deve perder em qualquer local que visitemos é um passeio de barco, se o houver.
Quando o Zé Maria venceu o Big Brother levaram-no a Paris e foi ver os telespectadores a rir, galhofando do barranquenho, no Sena, na proa do bateau mouche, de olhos arregalados e boca aberta de espanto. Eu, por mim, já fiz aquela figura por duas vezes e não me importava de a fazer pela terceira.
Também na América há que entrar em todos os barcos que façam passeios turísticos:
Na Briktown de Oklahoma City, apesar dos mosquitos e da jovem timoneira, também ela americanamente simpática e mais pesada do que recomendaria qualquer médico e faladora, faladora, mais barulhenta que um bando inteiro de gralhas.
No rio Mississipi em Saint Louis porque é daí que se pode ver o Arco em toda a sua grandiosidade, simplicidade e beleza.
Na baía de São Francisco, desde Fisherman's Wharf até Golden Gate Bridge (há um cruzeiro alternativo com visita a Alcatraz mas eu nunca viajo para ver coisas feias e prisões, sei-o por experiência profissional, são lugares feios).
Em New York, desde Battery Park até Liberty Island (é preciso ir também, a Brooklin e ao topo do Empire State Building, porque andando em Manhattan não se vê Manhattan). À Estátua da Liberdade não pudemos ir. Consta que as bichas são enormes e que o melhor é comprar o bilhete um ou dois dias antes. De qualquer modo, àquela hora, já estava fechada.
Mas, passeio de barco é no Rio Chicago, em cujas margens se debruçam todos os arranha-céus que justificam o apelido da Architectural City. Inicia-se a viagem perto do Navy Pier que é hoje um parque de diversões, como o é o Pier 39, San Francisco's Premier Bay Attraction, onde o cruzeiro à ponte começa pela vista da colónia de leões marinhos que resolveu fazer casa dentro da doca, em cima de uma balsa. Há aqui atracções que, para um maluco dos camarões e do cinema como eu, são imperdíveis: O Bubba Gump Shrimp Co. Restaurant and Market, uma indústria criada à sombra de um filme, onde os camarões panados e o ambiente são uma delícia. Há, também, fruta que só se viu na Califórnia: umas cerejas gigantes que provámos e gostámos e uns morangos do tamanho de maçãs que vimos ser compradas à peça, acompanhadas de um boiaozinho de uma compota estranha (a Lena diz que era chocolate) onde o jovem casal de compradores mergulhava o fruto antes de cada dentada.
Subir ao ponto mais alto que houver por perto é, também, sempre, imprescindível. Se o vento obrigar, como foi o caso, ao encerramento da Sears Tower, o John Hancock Center é uma excelente alternativa para ver Chicago aos nossos pés e, no rés-do-chão, tem um enorme The Cheesecake Factory (upscale casual dining restaurant offering over 200 menu selections - diz a publicidade), naquele dia ensolarado cheio de famílias em passeio.
Na plana América que eu vi, onde até as montanhas entre o Nevada e a Califórnia se subiram e desceram com facilidade, não havia muito sítios onde subir. Mas vale bem a pena o Sandia Peaks, onde a mais de 3000 metros se tem uma vista fabulosa de Albuquerque e do Novo México até ao horizonte.
O Gateway Arch of Saint Louis tem no seu interior umas pequenas cabinas mal amanhadas, em fibra de vidro, onde cinco pessoas apertadas e curvadas podem subir até ao topo. A coisa é ligeiramente arrepiante: para acompanhar a curvatura do arco há, de vez em quando, um estremeção e um ranger de metal que não deixa ninguém muito à vontade. A pequena americana, de olhos ligeiramente esbugalhados, transmitindo um medo que os adultos guardavam para si, não parou em toda a viagem: Daddy, funny egg! Funny egg! Dias depois do regresso a Portugal li que o sistema tinha avariado e as pessoas ficaram lá fechadas durante duas horas. Não me surpreendeu mas não gostaria de ter passado pela experiência. Lá em cima, umas janelas raquíticas permitem ver toda a região de St. Louis e, em grande plano, o Busch Stadium, home of the Cardinals, àquela hora cheio de adeptos de baseball.
Há também que, cinefilamente, subir e descer Mulhohand Drive, embora a pequena colina onde está o Getty Center já seja suficiente para se ter uma belíssima vista panorânica sobre Los Angeles.
Em Hollywood há um stand ao ar livre, à beira da rua, cheio de Rolls-Royce em 2ª mão mas, apesar de eu conhecer várias pessoas que gostariam de ter na garagem um Rolls-Royce e nenhuma que lá quisesse ter uma limousine, parece que os nativos preferem as limousines. Limousines são americanices. Monumentos ao mau gosto que nós europeus instintivamente associamos a americano. Carros disformes, feios, conseguidos por mero corte, acrescento e soldagem de outros carros, cada uma mais aberrante que a outra. Via-as feitas de Hummer’s e de Ford Super Duty’s. São especialmente numerosas em Las Vegas. Imaginamo-las, todas, levando no seu interior estrelas de cinema, mafiosos ou cantores de rap. Algumas, talvez, jogadores afortunados. Certo é que uma delas transportava um bando de adolescentes barulhentos emergindo das janelas abertas. Uma das passageiras levantou por momentos a camisola e mostrou as mamas aos passantes. Já tinha visto a cena num filme. Parece-me que ela também.

2008-02-04

Motas. Carros e Camiões

(Route 66 - Notas de viagem III)
Os americanos movem-se. Há quem diga que são incapazes da andar mais de duzentos metros a pé, no que se parecem muito com os portugueses. Movem-se, preferencialmente de carro que o país é grande e a gasolina é barata (€ 0,65/litro). Desde Chicago já tínhamos reparado que agora andam de SUV. Enormes, quase todos, até ao exagero do Cadillac Escalade, grande como uma casa (403 cavalos, 6.2L, V8. Começa nos € 43.000). O pessoal mais fashion anda, como em Portugal, de Mini Cooper, de Volkswagen Beetle ou de Mercedes CLK. Das grandes banheiras americanas que agora são peças de museu nas margens da Route 66, sobram os Ford Crown da Yellow Cab que pintam de amarelo as ruas de New York. Mas, verdadeiramente, só quando sulcávamos um Mississipi barrento e caudaloso a bordo do Tom Sawyer, num passeio que vale a pena sobretudo pela espantosa beleza plástica do St. Louis Gateway Arch, alertados pelo ruído do comboio de mercadorias que foi crescendo, crescendo, até ocupar a totalidade da ponte enquanto os vagões continuavam a nascer da margem esquerda até lhe perdermos o conto, tomámos consciência de que por cá os meios de transportes são grandes, muito grandes. Cem vagões? Não pode ser! Eram mais.
O padrão havia de se repetir dali até Barstow, CA, as paisagens planas e calmas, torrando sob um sol inclemente de 102ºF, regularmente rasgadas por mais um comboio. O clímax é em Flagstaff, AZ, onde, dia e noite, a escassos minutos de intervalo, passa mais um: cento e vinte vagões, cada um com dois contentores (metade deles da China Shipping) sobrepostos, tudo puxado por quatro poderosas máquinas. Acho que vocês não estão a ver. É preciso ficar ali, junto à passagem de nível, durante mais de dois minutos que parecem não acabar, a sentir o chão tremer, a deslocação de ar, como vento forte a fustigar-nos a cara e aquele imenso ruído metálico a estalar-nos nos ouvidos. Às tantas, proibimo-nos de contar mais vagões.
Nas zonas rurais, impõem-se as pickups, inchadas também elas, à frente de todas a Ford Super Duty, rodado traseiro duplo, 2,4 metros de largura e 7 de comprimento e 300 cavalos e 8 cilindros num motor de 5,4 litros ( o Cadillac Escalade tem um motor maior. Os Hummer, que também são muitos, podem chegar aos 6,8 litros e aos 390 cavalos. É estúpido, não é?), uma amarração no centro da caixa, sobre o eixo traseiro, onde repousa um engate em forma de pescoço de ganso, arrastando um reboque longo adaptado às mais diversas utilizações: caravana, transporte de animais, de fardos de palha e das mercadorias mais diversas.
Os camiões são, talvez, mais de metade dos veículos que circulam nas Interstates que substituiram a velha Route 66. Uma caixa de carga de 51 pés de comprimento, puxada por um tractor que tem atrás da cabina uma assoalhada de 6m2. Não vi por dentro mas tenho pena e imagino: instalações sanitárias, cama e kitchenet. Acaba tudo numa caixa do motor que na pequena Europa, para poupar comprimento, há muito meteram debaixo dos pés do motorista.
As caravanas e autocaravanas (RV - recreation vehicles) afinam pelo mesmo diapasão. Cada uma delas do tamanho de duas das que estamos habituados a ver e uma curiosidade: rebocam, ligado por um tirante triangular para estabilizar a direcção, o carro da família.
Motas são Harley-Davidson, aqui a ali com uma Honda ou uma Suzuki intrometida, em grandes grupos à porta dos cafés e restaurantes das estradas secundárias, montadas por gigantes mal barbeados, em romagem pela Mother Road of América.
Tudo, carros, motas e camiões, circula às exactas 75 milhas por hora sob a vigilãncia atenta da polícia, estacionada na berma ou no separador central da Interstate, pronta a arrancar no encalço do primeiro prevaricador. Lembram-se de The Dukes of Hazzard?
Há dois sítios onde podemos aprender quase tudo sobre transportes na América: Santa Rosa, NM, é uma bomba de gasolina no deserto, a caminho de Santa Fé. Não vou explicar. Eu, nunca tinha visto nenhuma parecida nem, muito menos, tão grande. A Gay Pride de São Francisco é um enorme Carnaval em Junho: Centenas de Harleys abrem o desfile e seguem-se durante horas e quilómetros, carros, camiões, segways, bicicletas e patins e sapatos, que também muitos desfilaram a pé. Num pequeno largo, no entroncamento da Market Street com uma rua secundária, um gay tímido, volteia sobre os patins em linha, sonhando, em suaves volutas, com o principal papel feminino de um qualquer ballet clássico. Na avenida, lá para o fim do desfile uma avultada delegação da polícia, o carro patrulha de pirilampos ligados escoltado por enormes matulões devidamente fardados, as mãos dadas em enlevos discretos. Mais atrás, a delegação da Legião Americana, uma parte deles, talvez por já demasiados trôpegos, abarrotando um eléctrico. Os outros a pé, de fardas devidamente engomadas, o peito coberto de medalhas. Todos afirmando o seu orgulho gay, apenas divertindo-se ou, melhor seria, proclamando que cada um devia poder ser o que quer ser. Em qualquer caso, vistas as rugas, o andar titubeante, a curvatura das costas e calculada a concomitante idade, muitos, certamente, já não sexuais.