2008-05-11

De volta ao país real

O Diário de Notícias costuma publicar na sua última página, a propósito de um acontecimento do dia, uma pequena entrevista com uma pessoa que é suposto ser um observador previlegiado do dito acontecimento.
Vai daí, na passada sexta-feira, um diligente jornalista de que a caridade cristã obriga que se omita o nome foi, aproveitando o infeliz atropelamento de um grupo de peregrinos de Fátima, interpelar o Sr. Padre Manuel Antunes.
Certamente apercebendo-se de que a consistência das respostas não permitia - apesar do título, antetítulo, destaque e fotografia - encher os 320 cm2 que tinha ao seu dispor, o dito jornalista resolveu acrescentar, à meia dúzia de perguntas do costume, uma sétima:
Pensa que a crise económica pode levar a uma maior afluência de pessoas às celebrações do 13 de Maio?
A entrevista, as perguntas e as respostas, aí está para quem a quizer conferir.
Não é isso que agora me ocupa.
O que me preocupa é a imensa ignorância de que os nossos jornalistas fazem, diariamente, alarde.
Dando de barato que há uma crise económica, donde é que o Sr. Jornalista foi tirar a ideia de que tal teria repercussão imediata numa peregrinação?
Peregrinações, há-as desde tempos imemoriais. Faziam-nas povos pagãos, fazem-nas muçulmanos, católicos, indus e budistas.
Desconheço em absoluto qualquer estudo que tenha por objecto a análise da influência do clima económico na afluência às peregrinações e, consequentemente, desconheço qualquer estudo que demonstre que a afluência às peregrinações varia na proporção inversa do clima económico.
Parece, pois, legítimo perguntar: De que cartola é que – e para quê – tirou o Sr. Jornalista tal pergunta?

2008-05-04

Route 66 - Notas de Viagem XVIII

23-6-2007 – Los Angeles

Deixamos o motel e o seu estranho empregado, um homem de ar um pouco louco, com um longo pescoço curvado que lhe atirava a cabeça para diante, blusão de cabedal, calças coçadas que acabavam cinco centímetros acima dos sapatos, deixando ver uma larga faixa das peúgas brancas e circulava pelos corredores arrastando um grande saco de plástico com a roupa suja que, aliás, às vezes esquecia pelos cantos.
Para trás ficaram Hollywood e os seus contrastes, como esta rua a que a profusão de postes e fios dá um ar ligeiramente terceiro-mundista
e rumamos ao aeroporto internacional de Los Angeles numa viagem de cerca de 50Km, fazendo uma pequena volta para ver o oceano pacífico e terminar a Route 66, onde dizem que ela termina, no cais de Santa Mónica.
Demos uma volta pela 3th street Promenade, a rua pedonal onde se concentram as lojas e chegámos ao Will Rogers Boulevard, uma bonita alameda à beira-mar em cujos jardins há dezenas de sem-abrigo, alguns ainda a dormir sobre a relva, debaixo das árvores onde brincam esquilos.
Pelo caminho, registamos esta maneira muito americana de fazer publicidade
As praias, Santa Mónica, Venice e Playa Del Rey, pareceram-nos menos glamorosas do que quando vistas na televisão e, quanto a Life-Guards, reconhecemos o equipamento de socorro e a torre de vigia mas, de um grupo de algumas dezenas em sessão de treino, nenhuma preenchia os requisitos para integrar o elenco das Marés Vivas.
O Pacifício também não entusiasmou. O João e a Ana ainda vestiram os fatos de banho mas, concluindo que a água não estava lá muito quente, limitaram-se a molhar o pé. Eu sobre isso não me posso pronunciar e talvez o Caetano Veloso exagere quando fala do Pacífico turvo. Mas conheço águas mais bonitas. Peniche, por exemplo.
A nossa aventura, estava terminada. Tinha acabado de concluir uma viagem há muito sonhada e durante anos adiada, primeiro nem havia dinheiro, depois foi preciso convencer e entusiasmar a família. Estou feliz e eles estão tão felizes com eu
Haviam, ainda, de se seguir San Francisco e Nova Yorque.
Mas isso foram bónus.
Vamos para o aeroporto que eu tenho sempre medo de perder o avião.

Route 66 - Notas de Viagem XVII

22-6-2007 - Los Angeles
Hoje fomos ver onde moram os ricos. O contraste é quase brutal. Wollyhood é razoavelmente feio e desinteressante, agora que já lá não funcionam os estúdios e as estrelas só lá aparecem para a cerimónia dos óscars e pouco mais, daí o choque: chega-se ao cruzamento, somos recebidos por uma placa que nos dá as boas vindas a Beverly Hills e tudo muda. A esquadra é quase um monumento (já a conhecía-mos do filme do Eddy Murphy). Os jardins e os relvados brilham de aparados e há arvores centenárias na alameda.
Até os carros são diferentes, mais luxuosos e os Mercedes são quase tantos como na Serra de Tomar, antes da crise da construção civil.
Percebi mais tarde que nos quiosques se vendiam mapas das casas das estrelas de cinema. Mas a nossa curiosidade não era tanta. Limitamo-nos a circular um pouco e a registar que também as casas dos ricos são feitas de madeira .Se alguma das casas que vimos era de gente famosa? Não sabemos. Mas também não estamos preocupados com isso.
O Wilshire Hotel também já o vimos no Pretty Woman. Perto há uma loja fabulosa de cozinha e mesa, a Williams-Sonoma, capaz de deixar extasiados todos os amantes de cozinha. Vimos aí um dos poucos casos de produtos portugueses à venda: Umas louças típicas a imitar folhas de couve que se fazem nas Caldas da Raínha desde o tempo do Rafael Bordalo Pinheiro.
Numa rua paralela, a Rodeo Drive, está todo o luxo do mundo da moda, todas as lojas de roupa e adereços de todas as marcas que nunca compramos por serem demasiado caras.
Horas de almoço e, pelo seguro, optamos pelo Cheesekake Factory. Não engana. Já em Chicago tinha sido bom. Um dos empregados era brasileiro. Ouviu-nos falar e veio meter conversa.
O Getty Center está situado numa pequena colina, à qual se acede, após ter deixado o carro no parque de estacionamento do complexo, por um funicular.
Gostei do edifício (Richard Meyer) e comprei um livro a propósito para o Pedro. Azar! o Meyer é um dos seus ódios de estimação. Independentemente dos gostos arquitectónicos o museu é muito bom. Vimos a parte onde se expõe pintura europeia dos Séc. XVIII e XIX, onde sobressai uma bela colecção de impressionistas franceses.
A vista é extraordinária, desde Santa Mónica até às montanhas e melhor seria se não fora o permanente smog provocado pelos milhões de automóveis que circulam em Los Angeles.
Os auto-estradas já vão em 5x5 faixas e continuam engarrafados.
Ao jantar podemos falar português de novo, no rodízio brasileiro (pessoal de Minas, claro! todos os brasileiros que encontro fora do Brasil são de Minas) do Farmer’s Market de Wollyhood, um sítio bonito, com mercado, restaurantes, lojas, cinemas e animação de rua.Regressamos ao motel e pelo caminho voltamos a encontrar os sem-abrigo que são muitos, por todo o lado e mais ainda em Sunset Blvd e em Wollyhood Blvd, transportando os seus haveres em carrinhos de supermercado que, por vezes, prendem aos sinais de trânsito com correntes e cadeados.
Agora há que preparar as malas que amanhã é dia de voar para San Francisco.

Route 66 - Notas de Viagem XVI

21-6-2007 - Los Angeles
O dia de hoje estava inicialmente programado para começar com uma visita aos estúdios da Warner Bros mas acabámos por, como toda a gente, decidir ver a Univeral City.

Aqui já não se fazem filmes. Trata-se de um enorme complexo onde se entra para uma zona aberta de cafés, restaurantes e lojas, à qual se segue a área reservada da Universal propriamente dita e de novo cafés, restaurantes, exibições de grupos musicais, lojas e atracções várias, todas temáticas e relativas a filmes da Universal. Fomos ver o Shrek, os efeitos especiais e os animais actores. Há um tour, num comboio turístico que percorre os cenários dos filmes. Fica-se a saber como é que se simula o despiste de um camião ou o descarrilamento de um comboio, que as portas eram mais pequenas que o normal, para o cowboy parecer mais alto e mais uma série de truques de cinema. A simulação da enxurrada na aldeia (mexicana?)é espectacular.

Saímos cerca das dezasseis, depois de sete horas que não chegaram senão para uma parte do que há para ver.
Caetano Veloso que canta a desolação de Los Angeles e a considera uma das piores cidades onde já esteve, tem alguma razão. O antigo povoado espanhol de Nuestra Señora de Los Angeles de La Porciúncula cresceu e engoliu dezenas de cidades em redor e foi, ele próprio, engolido. Fica agora ali algures, entalado entre um cruzamentode auto-estradas e a estação de comboios, pontuado pelos arranha-céus onde se concentram os serviços governamentais e as grandes empresas. A relativa antiguidade do local é visível apenas em algumas ruas agora secundárias ladeadas de edifícios do princípio do Séc. XX, a maioria com ar razoavelmente decrépito. É também por aqui que fica o Walt Disney Concert Hall, mas eu não sou devoto do Ghery. Em frente, está o MoCa que hoje, entre as dezassete e as vinte horas, era de borla. Moderno de mais para o meu gosto.
Jantámos na Sunset Plaza, no Slader Saloon. Um sítio muito engraçado, com um touro mecânico e cheio de indígenas ruidosos. Comeu-se bem (excelente bife) e a preço razoável.
À noite descemos (é preciso subir primeiro) Mulholland Drive para apreciar o espectáculo da cidade iluminada. Vale muito a pena até porque à noite todas as cidades são bonitas vistas de longe (como dizia aquele turista brasileiro, face ao Mónaco iluminado: Pôxa! Parece a Rocinha!).