2008-05-11

De volta ao país real

O Diário de Notícias costuma publicar na sua última página, a propósito de um acontecimento do dia, uma pequena entrevista com uma pessoa que é suposto ser um observador previlegiado do dito acontecimento.
Vai daí, na passada sexta-feira, um diligente jornalista de que a caridade cristã obriga que se omita o nome foi, aproveitando o infeliz atropelamento de um grupo de peregrinos de Fátima, interpelar o Sr. Padre Manuel Antunes.
Certamente apercebendo-se de que a consistência das respostas não permitia - apesar do título, antetítulo, destaque e fotografia - encher os 320 cm2 que tinha ao seu dispor, o dito jornalista resolveu acrescentar, à meia dúzia de perguntas do costume, uma sétima:
Pensa que a crise económica pode levar a uma maior afluência de pessoas às celebrações do 13 de Maio?
A entrevista, as perguntas e as respostas, aí está para quem a quizer conferir.
Não é isso que agora me ocupa.
O que me preocupa é a imensa ignorância de que os nossos jornalistas fazem, diariamente, alarde.
Dando de barato que há uma crise económica, donde é que o Sr. Jornalista foi tirar a ideia de que tal teria repercussão imediata numa peregrinação?
Peregrinações, há-as desde tempos imemoriais. Faziam-nas povos pagãos, fazem-nas muçulmanos, católicos, indus e budistas.
Desconheço em absoluto qualquer estudo que tenha por objecto a análise da influência do clima económico na afluência às peregrinações e, consequentemente, desconheço qualquer estudo que demonstre que a afluência às peregrinações varia na proporção inversa do clima económico.
Parece, pois, legítimo perguntar: De que cartola é que – e para quê – tirou o Sr. Jornalista tal pergunta?

2008-05-04

Route 66 - Notas de Viagem XVIII

23-6-2007 – Los Angeles

Deixamos o motel e o seu estranho empregado, um homem de ar um pouco louco, com um longo pescoço curvado que lhe atirava a cabeça para diante, blusão de cabedal, calças coçadas que acabavam cinco centímetros acima dos sapatos, deixando ver uma larga faixa das peúgas brancas e circulava pelos corredores arrastando um grande saco de plástico com a roupa suja que, aliás, às vezes esquecia pelos cantos.
Para trás ficaram Hollywood e os seus contrastes, como esta rua a que a profusão de postes e fios dá um ar ligeiramente terceiro-mundista
e rumamos ao aeroporto internacional de Los Angeles numa viagem de cerca de 50Km, fazendo uma pequena volta para ver o oceano pacífico e terminar a Route 66, onde dizem que ela termina, no cais de Santa Mónica.
Demos uma volta pela 3th street Promenade, a rua pedonal onde se concentram as lojas e chegámos ao Will Rogers Boulevard, uma bonita alameda à beira-mar em cujos jardins há dezenas de sem-abrigo, alguns ainda a dormir sobre a relva, debaixo das árvores onde brincam esquilos.
Pelo caminho, registamos esta maneira muito americana de fazer publicidade
As praias, Santa Mónica, Venice e Playa Del Rey, pareceram-nos menos glamorosas do que quando vistas na televisão e, quanto a Life-Guards, reconhecemos o equipamento de socorro e a torre de vigia mas, de um grupo de algumas dezenas em sessão de treino, nenhuma preenchia os requisitos para integrar o elenco das Marés Vivas.
O Pacifício também não entusiasmou. O João e a Ana ainda vestiram os fatos de banho mas, concluindo que a água não estava lá muito quente, limitaram-se a molhar o pé. Eu sobre isso não me posso pronunciar e talvez o Caetano Veloso exagere quando fala do Pacífico turvo. Mas conheço águas mais bonitas. Peniche, por exemplo.
A nossa aventura, estava terminada. Tinha acabado de concluir uma viagem há muito sonhada e durante anos adiada, primeiro nem havia dinheiro, depois foi preciso convencer e entusiasmar a família. Estou feliz e eles estão tão felizes com eu
Haviam, ainda, de se seguir San Francisco e Nova Yorque.
Mas isso foram bónus.
Vamos para o aeroporto que eu tenho sempre medo de perder o avião.

Route 66 - Notas de Viagem XVII

22-6-2007 - Los Angeles
Hoje fomos ver onde moram os ricos. O contraste é quase brutal. Wollyhood é razoavelmente feio e desinteressante, agora que já lá não funcionam os estúdios e as estrelas só lá aparecem para a cerimónia dos óscars e pouco mais, daí o choque: chega-se ao cruzamento, somos recebidos por uma placa que nos dá as boas vindas a Beverly Hills e tudo muda. A esquadra é quase um monumento (já a conhecía-mos do filme do Eddy Murphy). Os jardins e os relvados brilham de aparados e há arvores centenárias na alameda.
Até os carros são diferentes, mais luxuosos e os Mercedes são quase tantos como na Serra de Tomar, antes da crise da construção civil.
Percebi mais tarde que nos quiosques se vendiam mapas das casas das estrelas de cinema. Mas a nossa curiosidade não era tanta. Limitamo-nos a circular um pouco e a registar que também as casas dos ricos são feitas de madeira .Se alguma das casas que vimos era de gente famosa? Não sabemos. Mas também não estamos preocupados com isso.
O Wilshire Hotel também já o vimos no Pretty Woman. Perto há uma loja fabulosa de cozinha e mesa, a Williams-Sonoma, capaz de deixar extasiados todos os amantes de cozinha. Vimos aí um dos poucos casos de produtos portugueses à venda: Umas louças típicas a imitar folhas de couve que se fazem nas Caldas da Raínha desde o tempo do Rafael Bordalo Pinheiro.
Numa rua paralela, a Rodeo Drive, está todo o luxo do mundo da moda, todas as lojas de roupa e adereços de todas as marcas que nunca compramos por serem demasiado caras.
Horas de almoço e, pelo seguro, optamos pelo Cheesekake Factory. Não engana. Já em Chicago tinha sido bom. Um dos empregados era brasileiro. Ouviu-nos falar e veio meter conversa.
O Getty Center está situado numa pequena colina, à qual se acede, após ter deixado o carro no parque de estacionamento do complexo, por um funicular.
Gostei do edifício (Richard Meyer) e comprei um livro a propósito para o Pedro. Azar! o Meyer é um dos seus ódios de estimação. Independentemente dos gostos arquitectónicos o museu é muito bom. Vimos a parte onde se expõe pintura europeia dos Séc. XVIII e XIX, onde sobressai uma bela colecção de impressionistas franceses.
A vista é extraordinária, desde Santa Mónica até às montanhas e melhor seria se não fora o permanente smog provocado pelos milhões de automóveis que circulam em Los Angeles.
Os auto-estradas já vão em 5x5 faixas e continuam engarrafados.
Ao jantar podemos falar português de novo, no rodízio brasileiro (pessoal de Minas, claro! todos os brasileiros que encontro fora do Brasil são de Minas) do Farmer’s Market de Wollyhood, um sítio bonito, com mercado, restaurantes, lojas, cinemas e animação de rua.Regressamos ao motel e pelo caminho voltamos a encontrar os sem-abrigo que são muitos, por todo o lado e mais ainda em Sunset Blvd e em Wollyhood Blvd, transportando os seus haveres em carrinhos de supermercado que, por vezes, prendem aos sinais de trânsito com correntes e cadeados.
Agora há que preparar as malas que amanhã é dia de voar para San Francisco.

Route 66 - Notas de Viagem XVI

21-6-2007 - Los Angeles
O dia de hoje estava inicialmente programado para começar com uma visita aos estúdios da Warner Bros mas acabámos por, como toda a gente, decidir ver a Univeral City.

Aqui já não se fazem filmes. Trata-se de um enorme complexo onde se entra para uma zona aberta de cafés, restaurantes e lojas, à qual se segue a área reservada da Universal propriamente dita e de novo cafés, restaurantes, exibições de grupos musicais, lojas e atracções várias, todas temáticas e relativas a filmes da Universal. Fomos ver o Shrek, os efeitos especiais e os animais actores. Há um tour, num comboio turístico que percorre os cenários dos filmes. Fica-se a saber como é que se simula o despiste de um camião ou o descarrilamento de um comboio, que as portas eram mais pequenas que o normal, para o cowboy parecer mais alto e mais uma série de truques de cinema. A simulação da enxurrada na aldeia (mexicana?)é espectacular.

Saímos cerca das dezasseis, depois de sete horas que não chegaram senão para uma parte do que há para ver.
Caetano Veloso que canta a desolação de Los Angeles e a considera uma das piores cidades onde já esteve, tem alguma razão. O antigo povoado espanhol de Nuestra Señora de Los Angeles de La Porciúncula cresceu e engoliu dezenas de cidades em redor e foi, ele próprio, engolido. Fica agora ali algures, entalado entre um cruzamentode auto-estradas e a estação de comboios, pontuado pelos arranha-céus onde se concentram os serviços governamentais e as grandes empresas. A relativa antiguidade do local é visível apenas em algumas ruas agora secundárias ladeadas de edifícios do princípio do Séc. XX, a maioria com ar razoavelmente decrépito. É também por aqui que fica o Walt Disney Concert Hall, mas eu não sou devoto do Ghery. Em frente, está o MoCa que hoje, entre as dezassete e as vinte horas, era de borla. Moderno de mais para o meu gosto.
Jantámos na Sunset Plaza, no Slader Saloon. Um sítio muito engraçado, com um touro mecânico e cheio de indígenas ruidosos. Comeu-se bem (excelente bife) e a preço razoável.
À noite descemos (é preciso subir primeiro) Mulholland Drive para apreciar o espectáculo da cidade iluminada. Vale muito a pena até porque à noite todas as cidades são bonitas vistas de longe (como dizia aquele turista brasileiro, face ao Mónaco iluminado: Pôxa! Parece a Rocinha!).

2008-04-27

route 66 - Notas de Viagem XV


20-6-2007 – De Las Vegas a Los Angeles
Às costumadas oito horas da manhã viramos costas a uma Las Vegas ainda adormecida, sob um sol já quente, pela I15, a caminho da Califórnia. A paisagem é cortada , de quando em quando, por casinos isolados no deserto que a quantidade de carros estacionados mostra que também são bastante frequentados. Fora isso, apenas, à esquerda da auto-estrada, a prisão correccional do Nevada, um enorme quadrilátero de arame farpado tendo no centro uma torre de controlo como as dos aeroportos. A entrada na Califórnia é assinalada pela passagem do Mountain Pass, a primeira vez que nos Estados Unidos vimos uma subida íngreme e longa, como por cá estamos habituados. As mudanças automáticas e o cruise control fazem aqui o seu melhor. O carro começa a roncar furiosamente e salta estrada acima às mesmas 75 milhas /hora programadas, provocando um pequeno susto em quem já se julgava mestre em condução nos States.
Cerca de 150 milhas andadas, sempre em paisagem desética, entre o Mohave e o Death Valley, fazemos um pequeno desvio para visitar Calico,
uma ghost town mineira que depois de décadas de decadência até ao abandono total, foi oferecida pelo proprietário à cidade de Barstow que a está a recuperar como Regional Park.
Almoçámos por dez dólares.
Mal nos sentámos no restaurante, a simpática funcionária, vestida a preceito à moda do Séc. XIX, com uma enorme saia rodada e blusa decotada de folhos, colocou na mesa um balde de esmalte cheio de amendoins cujas cascas se deitam para o chão (no alpendre caminha-se sobre um tapete de cascas de amendoim). Porquê? It's funny! Foi a resposta.
Há um comboiozinho que faz uma pequena volta turística para apreciar as antigas minas, estão recuperadas a prisão, a escola e as oficinas do ferreiro e do arrieiro, o hotel e várias casas onde se vendem os inevitáveis ghifts, postais, tshirts, cestos, velas, especiarias, compotas, vidros e cerâmicas e o objectivo é recuperar a totalidade da cidade. Um velho índio atravessa o terreiro sob o sol escaldante, apoiado numa bengala, um mineiro faz demontrações de garimpagem lavando “ouro” num peneiro e a entrada e o estacionamento ($6,00) são atentamente vigiados por um Xerife a fingir, de colt 45 à cintura. Vale a pena ver.
Vinte e cinco quilómetros mais e estamos de retorno à Route 66, em Barstow, onde não parámos. Aqui teremos, pela última vez, uma vista dos grandes comboios. Mais adiante, espera-nos a última grande paisagem natural do percurso: o Cajon Summit, na travessia das montanhas de São Gabriel. É o contraponto do Mountain Pass, uma descida vertiginosa, num cenário muito bonito e, passadas as montanhas, a Megalópole que conhecemos por Los Angeles.
Alojámo-nos num Super 8 Motel, um bocado manhoso (a par do de St. Louis, o pior de toda a viagem) mas bem situado, entre os Boulevard Hoolywood e Sunset .
Ainda deu para um passeio. Jantámos no Kodak Theatre, servidos por um chinês de Chicago que sabia algumas palavras de português.
O Kodak e o Boulevard Hollywood são bons exemplos da capacidade do cinema de criar ilusão de realidade. É então ali que se realiza a cerimónia dos Oscars? É quase difícil acreditar que aquele cenário possa ser, um dia no ano, o lugar mais glamoroso do planeta.
A propósito, o famosíssimo Walk of Fame é ali mesmo, no passeio. Cuidado! Não faça como eu que, quando reparei, já tinha pisado três das minhas actrizes favoritas.

2008-04-22

Route 66 - Notas de Viagem XIV

19-6-2007 – Las Vegas

Chegados ontem a Las Vegas, alojámo-nos no Sahara, um hotel casino já com alguma idade, (cá ficaram os Beatles, nos anos 60) bem situado no topo da Strip, no cruzamento com a Sahara Avenue, a que deu o nome e com preços muito em conta. Comer e dormir em Las Vegas pode ser, aliás, bem barato (quinze dólares podem ser suficientes para comer bem no Sahara e razoavelmente no Venetian). Ainda houve tempo para uma volta nocturna pela Downtown para ver a sua principal atracção, a Fremont Street em cuja cobertura são, a espaços, projectados espectáculos de luz e som.

Hoje foi dia de correr a via sacra dos grandes casinos. O melhor a fazer – e que fizemos – é comprar bilhetes para o monorail, já que andar na rua com o calor escaldante que se fazia sentir é coisa para arrumar em pouco tempo um turista desprevenido. Dormir a sesta no hotel, nas horas de maior calor é, também, actividade que se recomenda vivamente.
Salvo para aceder a determinados espectáculos ou restaurantes, parece não haver regras no vestir de modo que os casinos estão cheios de gente de calções e de chinelos.
Eu, pessoalmente, não gosto de jogar e nem o facto de já ter estado em muitos casinos, da Póvoa do Varzim a Monte Gordo, passando por quase todos os outros portugueses, pelo Mónaco e por Macau, me fez mudar de ideias. Las Vegas confirmou a minha convicção de que gente com juízo não joga.


Como em todo o lado, nos Estado Unidos, não se fuma dentro dos edifícios. Excepto, claro, nas salas de jogo. Eu, fumador (mais uma razão para não gostar de jogar. Admito que um vício fique bem a um homem. Dois vícios é, certamente, demais), aproveitei a sala de jogo do Sahara para fumar. Vi aí a cena que mais me impressionou em Las Vegas: Depois do almoço, no hotel, vou fumar um cigarro na sala de jogo e vejo um americano típico, enorme, chapéu à Indiana Jones, barba comprida e hirsuta de um grisalho amarelado, matraqueando furiosamente duas slot machines, uma com cada mão. Ainda lá estava, no mesmo estrafego, quando regressei para o último cigarro do dia, antes de ir dormir.
Mas é verdade que Las Vegas é uma doideira espectacular, cada casino maior que o outro, embora, no fundo, todos iguais: entra-se no Hotel e de um lado é o balcão da recepção e do outro abre-se a sala de jogo. A partir daqui acede-se aos restaurantes, às salas de espectáculo, aos quartos e às galerias comerciais, estas também com tendência para se tornarem todas iguais: Ruas com céus fingidos e lojas - todas as lojas, todas as marcas - e restaurantes e cafés com fachadas de cenário que nos tentam convencer de que andamos a passear na cidade-tema do casino (Nova Iorque no New York-New York, Veneza no Venetian, a Roma antiga no Caesar’s Palace). O mais luxuoso de todos, doentiamente luxuoso, é o Bellagio. Um dos mais bem feitos é, concerteza, o Paris. Com uma Torre Eiffel à escala ½, um dos pilares arrancando em plena sala de jogo e um restaurante no topo, como na Torre de verdade, o Arco de Triunfo e a fachada do Louvre e uma ambiência, na galeria comercial, tão bem fingida que não estranharei se amanhã me vierem dizer que alguém se aborreceu na Paris de França, com a desculpa de que já tinha visto aquilo em Vegas.

2008-04-13

Route 66 - Notas de viagem XIII

18-6-2007 - De Flagstaff a Las Vegas

A jornada de hoje havia de nos levar, andados cerca de 450 quilómetros, a Las Vegas, num desvio que um portugesinho, tão longe de casa e sem certezas de alguma vez voltar a estas bandas, não pode deixar de fazer mesmo que para isso tenha de sacrificar uma parte da Route 66 que, ao que leio, também tem muita coisas interessantes para ver.
Logo à saída do motel encontrámos esta curiosa demonstração de como um único motorista pode conduzir três camiões.

A primeira paragem foi em Williams, de onde parte o comboio para o Grand Canyon e chegou a estar no plano de viagem como local de dormida. no entanto, a opção de ficar duas noites em Flagstaff revelou-se, no entanto, bem acertada. Quer pela cidade quer porque esta viagem é fisicamente exigente e são grandes as vantagens de dormir duas noites seguidas na mesma cama e passar um dia sem fazer e desfazer as malas.
Continuamos a mais de dois mil metros de altitude, rodeados por uma enorme floresta (a Kaibab National Forest) de pinheiros (pinus ponderosa), uma das árvores mais comuns dos EUA, onde ocupa uma superfície total maior do que a de Portugal.
Williams que se designa (marca registada) Gateway to the Grand Canyon é, aos nossos olhos apressados, mais uma típica cidade americana de fronteira. Com pouco mais de 3000 habitantes, a sua localização previlegiada relativamente ao Grand Canyon, torna-a um destino turístico relevante, onde vale a pena parar, quanto mais não seja para, como nós, passear na Downtown bem conservada, com muitos edifícios de pedra e de tijolo e cheia de lojas interessantes ou curiosas e aproveitar para, no Williams Visitor Center, ir à internet enviar uns emails e conferir os recebidos.
Retomamos a I40. Os pinheiros começam a rarear até desaparecerem e retornarmos ao deserto. Setenta quilómetros andados, abandonamos a Interstate para entrar no mais longo troço contínuo da Route 66 ainda em uso.
O apogeu do american kitsch que, com frequência, rodeia a Route 66, é este estabelecimento de ar decrépito, em Selligman, onde se vendem bebidas frescas e toda a memorabilia da Route e se amontoam os símbolos dos felizes anos 50 numa amálgama que não chega a ser de mau gosto mas aparece aos nossos olhos como evidência da inocência que tantas vezes associamos aos americanos. É, efectivamente, de inocência que se trata. Por absurdo que vos pareça, o que me veio à cabeça perante tal visão foram aquelas hortas que todos conhecemos da beira dos auto-estradas nos arredores de Lisboa, onde reformados saudosos da origem rural plantam afincadamente hortaliças, despreocupados da óbvia poluição do local, enquanto, assustados com os potenciais prejuízos que a passarada, os cães e os passantes sejam capazes de provocar, rodeiam os canteiros de toscas sebes de madeira e chapa, enchem os cantos de bidões coloridos para garantir a rega e constroem espanta-pardais pendurando latas, garrafas de plástico e panos velhos, em paus e canas.

Mas hoje não vamos ver hortaliças. Apenas morros pedregosos onde, a espaços, se vislumbram ruínas de cidades fantasmas, restos de pequenos aglomerados que o tempo e o deserto engoliram ao ritmo do esgotamento das minas de prata que justificavam a sua existência. É o caso de Hackberry, oficialmente uma Ghost Town de que sobra o Hackberry General Store, com uma curiosa colecção de bombas de gasolina, máquinas de gelo e de coca-cola, fotografias de Marilyn Monroe e de Elvis Presley, anúncios e logos antigos incluindo um grande cavalo alado da Mobil, automóveis e pequenas camionetas dos anos quarenta e cinquenta. Um dos mais conhecidos ícones da Route 66 que é, também, um interessante museu no deserto com essa vantagem imensa, neste dia escaldante, de ter sombra e bebidas frescas.
Em Kingman alomoçamos, vimos os comboios da BNSF e viramos para Norte, pela US 93, sempre por paisagens áridas,


até à Hoover Dam.
Construída no tempo record de quatro anos, entre 1931 e 1935, a Hoover Dam é, ainda hoje, uma das maiores barragens do mundo, fornecendo energia eléctrica ao norte do Arizona, Las Vegas e grande parte do Nevada e Califórnia. Há visitas guiadas ao interior que não deixamos de fazer (não percebo porque é que a EDP não tem um programa consistentes de visitas a barragens). Estava um calor insuportável, mas isso não impedia centenas de turistas (um deles rigorosamente vestido de cowboy, incluindo cinturão de onde pendia um pequeno coldre que era a bolsa do telemóvel) de admirar uma das grandes obras de engenharia dos EU.


Entramos no Nevada, passando ao lado de Boulder City, a cidade construída para alojar os trabalhadores que fizeram a barragem e, pouco depois, começa a surgir do deserto, como gigantesca miragem, o absurdo de Las Vegas.

2008-04-04

Route 66 - Notas de viagem XII

17-6-2007 - Grand Canyon

O dia de hoje estava reservado para a visita ao Grand Canyon.
Traçámos um percurso um percurso de cerca de 350 quilómetros com passagem pelo Sunset Crater National Monument.

E pelo Wupatki National Monument, ruínas de uma aldeia de pedra, testemunho de uma civilização desaparecida. (como bónus, sempre que as vistas se abriam à nossa direita, a paisagem fabulosa do Painted Desert).

Não estava na lista (nem sabia que existia) mas soube bem. Antes do Grand Canyon, uma paragem no Litle Colorado River Gorge, Navajo Tribal Park.

O Grand Canyon, esse, não tenho talentos literários para vos contar como é. Se puderem, vão ver com os vossos próprios olhos.


Se lá puderem ir e pedirem para lhes tirarem uma fotografia vão, certamente, ficar com um ar tão feliz como nós ficámos.


O regresso a Flagstaff foi feito por Oeste, pela US 180, através da Cococino National Forest, ladeando o Humphrey's Peak que, com os seus 3850 metros é a montanha mais alta da região ao abrigo da qual se desenvolvem as estãncias de inverno do Flagstaff Nordic Center.


2008-03-30

Route 66 - Notas de viagem XI

16-6-2007 – 5.º Dia na estrada
Como sempre, às oito horas da manhã estavamos sentados no Nissan X Terra, prontos para iniciar o shigtseeing tour de Grants e retomar o caminho do Oeste pela I40.
O semi-deserto do Novo México continua a desfilar à nossa volta, a espaços cortado por um comboio de mercadorias, os vagões de contentores recortando-se na paisagem como ameias de um castelo medieval.


Junto a um lugar insignificante chamado Coolidge, uma breve paragem para documentar o Continental Divide. Nada de extraordinário, para além da placa explicativa e a surpresa de nos descobrir-mos a uma altitude superior à da serra da Estrela, num lugar onde a imensidão da planície me não nos permite a percepção de altitude (falta-nos o mar), o que temos é, de um lado da estrada umas construções abandonadas, do outro lado um café rasca com uma loja de recordações anexa.

Atravessamos a fronteira dos Estados e entramos no Arizona para, cerca das dez horas, como programado, abandonar a I40 na saída 111 e visitar o Petrified Forest National Park, sob um sol abrasador de quase quarenta graus.



Almoçámos em Holbrook, de onde trouxemos uma belíssima recordação de viagem: o livro “Holbrook and the Petrified Forest”. À medida que nos aproximamos de Flagstaff o deserto começa a perder terreno. Quando os pinheiros, finalmente, dominam a paisagem, estamos na cidade mais cosmopolita que encontramos desde Chicago. Uma downtown de pedra, arquitectonicamente muito interessante e dezenas de cafés, pubs, restaurantes e lojas e imensa gente na rua.
Alojámo-nos, como de costume no Super 8 Motel, desta vez numa gigantesca suite com kitchnet totalmente equipada (que não usámos) e 3 Queen Beds, numa área de cerca de cinquenta metros quadrados, tudo por menos de vinte dólares por cabeça e por noite.
Jantámos num restaurante italiano. Um verdadeiro e excelente restaurante italiano, este “Pasto” que não anda longe de cumprir o seu objectivo de fornecer aos clientes a mais fina experiência gastronómica do norte do Arizona. As excelentes salas, decoradas com gosto e moderação, o simpático pátio onde comemos, o aparelhamento das mesas, a apresentação e a qualidade dos pratos, a extensão e variedade da lista de vinhos e o serviço discreto, simpático e eficiente, tudo completado por uma loja gourmet anexa, também de excecelente aspecto, fazem do PASTO um bom restaurante em qualquer parte no mundo. Escusado será dizer que foi a refeição mais cara da viagem. Mas nada que se não pague em Lisboa à minima distracção e por menos qualidade.

À noite arrefece. Que bom.

2008-03-17

Route 66 - Notas de Viagem X

15-6-2007 - 4.º dia na estrada (2ª parte)

Sant Fé, The City Different é, hoje em dia, um dos destinos turísticos mais frequentado dos Estados Unidos. Tem tudo para isso: Uma história - maior do que o país - que vem desde o Séc.XVI, o título da UNESCO de Creative City of Folk Art, Crafts & Design e a espectacular arquitectura de adobe que a distingue de todas as demais e é cuidadosamente preservada e glosada nas novas construções.
O centro de Santa Fé é a Plaza, dominada pelo Palácio dos Governadores, o edíficio público mais antigo da América, ao longo de quatro séculos sede de poder de três soberanias diferentes: espanhola, mexicana e americana. Hoje é um museu e sob o seu enorme alpendre abrigam-se, dos inclementes 38º C, dezenas de índios vendendo os seus artesanatos. Um pedaço da tarde não dá para mais do que chegar, observar o bulício de turistas, espreitar as lojas, passear um pouco, entrar na Catedral Basílica de São Francisco de Assis e comprar um folheto que nos fala da primeira índia declarada santa pela Igreja Católica e parar por uns instantes a observar a sua estátua.
Descemos para Albuquerque pelo percurso chamado The Turqoise Trail (NM14), uma National Scenic Byway, numa região de antigas minas de turquesas. A idéia era ter ainda algum tempo para dar uma vista de olhos por Albuquerque que, segundo as informações que levávamos, tem um núcleo urbano antigo que a merece. As Sandia Mountains começaram, no entanto, a impor-se à nossa vista, pelo que decidimos subir até ao Sandia Peak. Ninguém ficou arrependido que não é todos os dias que podemos chegar a mais de três mil metros e disfrutar uma vista soberba, até ao horizonte, sobre a planície do Novo México.

Ficou Albuquerque por ver que, dali até Grants, eram mais cento e muitos quilómetros. Não me lembro onde nem o que jantámos. Mas lembro-me deste céu extraordinário ao pôr do sol:


Grants, já o sabia, não tinha, para nós, nada de especial a ver. É, apenas, uma típica cidade americana destas bandas: 30 motéis, bombas de gasolina, restaurantes, campo de golfe, 9.000 habitantes e (diz o respectivo site) vinte e oito igrejas de muitas confissões. De qualquer modo, eram horas de dormir. E foi para dormir que Grants entrou no nosso plano de viagem.

2008-03-11

Route 66 - Notas de viagem IX

15-6-2007 - 4.º dia na estrada
Levantámo-nos à hora marcada e, banho tomado e malas feitas e colocadas no carro estacionado à porta do quarto, fomos ao pequeno-almoço que neste Motel começam a servir às quatro da manhã.
A caminho da farmácia aproveitamos para dar uma breve vista de olhos pela cidade (breve, porque o tempo é curto e estas cidades oferecem-se aos olhos dos visitantes todas muito iguais), dando especial atenção aos edifícios mais antigos e aos murais que, a par dos néons no Route 66 Boulevard, são a marca local e cujo mapa, recolhido na net, já ía de Lisboa.
Tucumcari, como Cuba, MO, reclamam-se do título de The Mural City, precisamente pela quantidade e dimensões dessa forma americana de expressão que são as paredes pintadas, em geral em tom realista e com apreciável qualidade artística, com cenas que relatam momentos ou aspectos importantes da história e vida locais, como se fossem pranchas de banda desenhada, do mesmo evidente intento pedagógico das pinturas das igrejas medievais europeias que, através de sucessivos quadros, contavam aos crentes analfabetos as histórias da Bíblia e dos Santos.


Feito isto e uma paragem no Visitors Information Center local, antes das dez horas estávamos em plena estrada a caminho de Santa Rosa que, já vos disse, é uma gigantesca bomba de gasolina no deserto. Mas um deserto não é um vazio. Está cheio de coisas e de vida, como esta tartaruga que nos surpreendeu durante uma breve paragem na beira da estrada.


Mais uma paragem, num retiro para camionistas, deu para esticar as pernas, comer uma sandes e mirar e fotografar de perto um dos típicos camiões americanos.


O objectivo, conseguido, era terminar a meia jornada da manhã a almoçar no Bobcat Bite, em Santa Fé. Eis mais um lugar que bem merece a estrela que lhe atribui o Route 66 Dining & Lodging Guide.

2008-03-09

Route 66 - Notas de viagem VIII


14-6-2007 - 3.º dia na estrada

Ontem andamos às voltas em Oklahoma City e anteontem andámos de carro uns míseros 185 km. São, pois, dias de que não se pode dizer que tenham sido na estrada. Hoje sim. Mais de 600 (que acabam por ser quase setecentos) quilómetros haviam de levar-nos até Tucumcari, já no Novo México, com breve atravessamento do Texas.
As paragens planeadas incluiam Clinton e Elk City, ainda no Oklahoma e McLean e Amarillo no Texas.
Em Clinton, cidadezinha com menos de 10 mil habitantes (menos de 30.000 no County) que, pomposamente, se intitula Hub City of Western Oklahoma, há coisas que são vulgares na América mas a que não estamos habituados: Há uma Câmara de Comércio que suporta o site a partir do qual se pode aceder a quase tudo o que interessa na cidade. Pode-se requerer na internet uma licença de construção. Há mais de vinte igrejas pertencentes a mais de uma dúzia de confissões diferentes, incluindo a católica e há o Oklahoma Route 66 Museum. Este era o objectivo da paragem e a expectativa não foi defraudada. Carros e bombas de gasolina antigas, objectos diversos, muitas fotografias, mapas gráficos e textos explicativos e um video no pequeno auditório, informam-nos sobre a história da epopeia que foi a construção da rua principal da América.
Elk City e McLean não deixaram recordações que aqui possa registar, ía eu a escrever. Nestas alturas o melhor – que a memória não chega para tudo -, é rever os apontamentos e as fotos. E lá estão:
Em Elk City, num complexo impecavelmente tratado, todos os edifícios que recordam os primórdios do território do Oklahoma. Um museu ao ar livre. Uma cidade de cowboys como as conhecemos do cinema, não fora agora estar tudo arrumado, limpo, relvado.
McLean tem, além do museu do arame farpado que não vimos e da primeira bomba de gasolina construída no Texas pela Phillips 66, o Red River Steak House, onde almoçamos bem num lugar preservado acompanhados de um grupo de motards. Ainda antes, mal acabados de entrar no Texas, paramos em mais um Tourist Information Center que deveria fazer corar os que em Portugal tratam de turismo: espaçoso, acolhedor, toneladas de informação gratuita à disposição dos viajantes. Pela informação recolhida e porque uma pequena volta por Amarillo não os nos convenceu a ficar mais tempo e porque no Texas o relógio atrasou uma hora, decidimos que tínhamos tempo de sobra e resolvemos descer cerca de 30 quilómetros para um auto-tour pelo Palo Duro Canyon (Texas State Park). Saímos de lá já ao anoitecer, mas valeu bem a pena e deu para ver que também na gestão de parques naturais temos ainda muito para aprender. E para participar. Uma boa parte do trabalho é, ali, feito por voluntários.
Regressámos a Amarillo e retomamos a I40 para mais cerca de 200 km.
Da estrada vislubramos o Cadillac Ranch, ícone da pop art mas a paragem foi em Adrian, The Midpoint of Route 66. A acreditar no cartaz, 1139 milhas separavam-nos de Chicago e outras tantas de Los Angeles. O café estava fechado com o aviso de que abria e fechava quando dava na telha ao proprietário.
Na fronteira do Novo México fizémos uma breve saída da estrada para circular pela pequena e agora cidade fantasma de Glenrio, onde o único sinal de vida era uma estação de serviço constuída 100 metros ao lado de uma outra abandonada.
Chegámos a Tucumcari noite escura onde, após um jantar de que já falei a propósito de mosquitos, nos esperavam (por 22 dólares a cada um) camas confortáveis das quais, no dia seguinte pelas 7H00, teríamos de saltar para mais uma jornada comprida.


Notícias


Route 66 – Notas de viagem VII

Tirando alguns jornais gratuitos (o Metro é igual mas vem agrafado como uma revista. Cada número do Village Voice tem mais anúncios de serviços sexuais que uma semana inteira de Diário de Notícias e também com muitas – as mesmas – fotografias coloridas) que os americanos têm numas caixas metálicas perfiladas na borda do passeio – os pagos também estão em caixas idênticas, alinhadas na mesma correnteza, mas que só abrem contra a introdução das necessárias moedas – a nossa relação com a comunicação social resumiu-se ao automatismo de ligar a televisão nos quartos dos hotéis. Partimos cheios de vontade de ouvir música nas longas horas de viagem e fomos carregados com uma caixa de CD’s. A verdade é que ouvimos um e as rádios não foram suficientemente apelativas para que nos calássemos a ouvi-las. A paisagem lenta. O olha! viste? A atenção às pequenas coisas que iam desfilando perante os nossos olhos ávidos. Um road runner fugidio tal como o seu irmão Bip Bip dos desenhos animados. Aqueles ratos que ficam de pé a mirar atentos em redor. E nós, como eles, com vontade de ver tudo, sobrepuseram-se a qualquer desejo de informação mediada.
Ficou, pois, só a televisão. Lá, como cá: Novelas e telenovelas. Novelas para hispãnicos onde só há hispãnicos. Soap operas com famílias negras. Novelas, telenovelas e soap operas com histórias de brancos e intérpetres brancos. Directos de desgraças. O Weather Channel que também prefere as trovoadas ao bom tempo e tem diariamente de inventar modo de encher 24 horas. E a CNN.
Desgosto. Espanto. Incredulidade. Eu que estava convencido que a CNN era o rigor em forma de ecran, colmeia de reporteres oportunos, corajosos e objectivos dou com quê? Com a TVI em inglês.
A Paris Hilton que é uma espécie de Cinha Jardim lá do sítio, mas mais rica, mais nova e, tenho de o reconhecer, mais feia, tinha-se deixado prender já nem me lembra bem porquê.
Vai daí, uma pessoa levantava-se, ligava o aparelho e lá estava na CNN: reportagem de exterior, a menina a entrar na prisão, a menina a sair da prisão, depoimentos de advogados, de celebridades várias, do motorista e do jardineiro e do jardineiro que nada sabia do assunto e só estava a jardinar quando a Paris por alí passou. Chegava-se ao hotel há noite e imaginava-se que todo o dia teria sido assim. Mais directos, mais entrevistas a quem nada tinha a dizer sobre o assunto, mais depoimentos com ar sério como se de coisa séria se tratasse, debates em estúdio.
Terminou tudo, como sabemos, no Larry King.
Vista na América, a CNN parece-se estranhamente com a TVI.

2008-02-17

Route 66 - Notas de Viagam VI




11-6-2007 - 2.º dia na estrada

Como previsto no plano traçado, às 8h00 era tempo de estar sentado ao volante e iniciar a viagem que hoje ía ser longa. Segundo o MapQuest, 668 Km e 7H20 de condução haviam de nos levar até Tulsa, OK, com paragens em Carthage e Joplin, ambas ainda no Missouri.
Acabámos, como noutro lado expliquei, por nos demorarmos em Cuba e, também, em Spingfield (onde almoçámos no George Steak Restaurant, os quatro por $25,00) e, mais ainda, em Carthage. Estamos em pleno palco da Guerra Civil: Em Cuba, Springfield, Carthage e todo o Missouri travaram-se violentas batalhas que hoje se recordam em museus, memoriais, bibliotecas e desfiles.
A ana conduziu pela 1ª vez.
Desde Chicago que o Weather Channel nos vinha avisando que havia uma tempestade que assolava o Kansas e o Oklahoma e, depois, o Missouri e se dirigia para Leste. Não demos por ela que terá passado por nós na noite anterior enquanto dormíamos mas, chegados a Tulsa, lá estava na televisão o costumado repórter estérico excitado, a ampliar o fenómeno e as pequenas cheias e a entrevistar velhinhos desdentados. O único testemunho que vimos com os nossos olhos foi nos arredores de Carthage e era constituído por dois americanos patuscos, de pronúncia cerrada e quase incomprensível que pescavam bem dispostos na estrada, tentando apanhar algum peixe distraído que tivesse vindo no transbordo do Kellogg Lake.
Carthage tem uma arquitectura muito interessante com um valioso e, por estas bandas, raro conjunto de edifícios de pedra, construídos na viragem do Séc. XIX para do Séc. XX e já hoje, na sua maioria, incluídos no National Register of Historic Places. Importa visitar o Carthage Historic Square, em torno da Jasper Couty Couthouse e fazer o Victorian Home Driving Tour. Não é preciso perguntar a ninguém. Também aqui há um Convention and Visitors Bureau, onde abundante e qualificada informação está à disposição gratuita dos visitantes.
Mais 25 Km andados e estamos em Joplin. A paragem não tinha razão especial, apenas estava no caminho e o plano indicava que, de Springfield a Tulsa iríamos pela Route 66 olhando as pequenas povoações que se sucediam, para chegar ao destino às 17H00. Demos uma volta e seguimos, a caminho do Oklahoma. Chegámos a Tulsa mais tarde que o previsto, está bom de ver, mas ainda a tempo de jantar, não muito bem mas ridiculamente barato, no Captain D’s seafood kitchen.






2008-02-13

Ted Drewes Frozen Custard


Route 66 - notas de viagem V

9-6-2007 - Primeiro dia na estrada
Levantámo-nos às 6H30 da manhã, com um sol radioso que, aliás, já ía alto e saímos de Chicago mergulhando na Interstate 55 com o propósito de seguir até Springfield. Quem diz que o Alentejo é plano nunca andou por estas bandas, anotei no caderno. O Illinois é plano. Plano e verde, plano e verde durante centenas de quilómetros. Paramos em Pontiac para esticar as pernas e fizemos o nosso primeiro troço da Route 66, onde o João se estreou a conduzir. Em Bloomington um engano obrigou-nos a dar umas voltas suplementares. Aproveitei para, numa estação de serviço, fazer o que já devia ter feito antes: obter o mapa oficial das estradas do Estado.
Por estas alturas já estava quase convertido às virtudes das mudanças automáticas e convencido de que conduzir nos EUA é muito fácil. Tudo à mesma velocidade, tudo muito certinho, tudo muito bem sinalizado. Sem sinais, diga-se. Os sinais de trânsito nos Estados Unidos são poucos, muitas vezes substituídos por placas onde, simplesmente, se escreve o que o condutor deve ou não deve fazer. O mais curioso de todos e frequente é, aliás, escrito em letras garrafais no próprio alcatrão PEDXING, cujo significado só o João descobriu: Pedestrian Crossing. Estranho para um português é o facto de os semáforos estarem, em geral, colocados depois do cruzamento. Mas a adaptação foi muito fácil e, poucos cruzamentos depois, já estávamos todos convencidos de que a medida é inteligente. Tem, pelo menos, duas vantagens: pode-se virar à direita com o sinal vermelho e o nome das ruas transversais está quase sempre bem visível numas placas verdes e compridas colocadas no mesmo suporte do semáforo.
Chegados a Springfield fomos direitinhos ao Cozy Drive In. Trata-se de um dos estabelecimentos clássicos da Route 66, cheio de turistas, de memorabilia da Route 66 e de Harley’s estacionadas à porta, num cenário que se há-de repetir ao longo da viagem. O Cozy Dog é bom mas as batatas fritas que o acompanhavam tinham um ar perfeitamente desgraçado, moles e negras, como se tivessem sidos feitas em óleo usado vezes de mais. Não há álcool. Há uma coisa pavorosa chamada Bier Route 66. Sabe a qualquer coisa parecida com elixir bocal. Na generalidade dos restaurante americanos não há alcool. Parece que para vender alcool é precisa uma licença especial e, de qualquer modo, na maioria dos Estados é, de todo, desaconselhável cheirar alcool quando se conduz. No illinois, por exemplo, exceder a taxa máxima de alcoolémia permitida nos condutores é motivo para penas duras que podem incluir a cassação da carta, um ano de prisão e $2000 dólares de multa
Springfield (terra de Lincoln) é uma cidade estranha. Capital do Illinois, funciona de segunda a sexta. Hoje é sábado e, por isso, está deserta de políticos e de funcionários e só os turistas lhe dão alguma animação. O Capitólio, onde fizémos uma visita guiada e Barak Obama lançou a sua candidatura presidencial, é um edifício muito interessante, na sua traça neoclássica, de planta em cruz, com cúpula central, semelhante a diversos Capitólios que se podem encontar em outras capitais de Estado americanas. A loja do museu Lincoln (aqui tudo parece girar à volta de Lincoln) tem tudo à venda, até pedaços de madeira, certificados e numerados, da casa de Lincoln. Em frente há uma antiga estação de comboio da Amtrak, impecavelmente recuperada. Bonitinha, mas parece Walt Disney. Eu nunca diria que se tratava de uma estação de comboios. Deviam ter deixado um bocado de linha para orientar os distraídos.
Chegámos cedo ao Motel que tinhamos reservado em St. Louis North. A par do de Hollywood foi o pior Super 8 que conhecemos. Os quartos até nem eram maus e pareceram limpos mas a alcatifa do Hall de entrada que é ao mesmo tempo recepção, sala de estar e sala de pequenos almoços, essa, não via uma limpeza decente há demasiado tempo.
A fim da tarde fomos até St. Louis. O Busch Stadium estava a abarrotar de gente. A Lena descobriu no Route 66 Dining & Lodging Guide que tínhamos comprado na Amazon para ajudar a planear a viagem que, em Chipewa, a sul de St. Louis, há uma gelataria a não perder. Encontrámo-la com facilidade. Grande espectáculo. Em volta de uma pequena casa de madeira com um balcão dando directamente para a rua, com uns taipais levantados à maneira das roulotes de couratos no Campo Grande em dia de futebol, dezenas e dezenas de pessoas, famílias inteiras, a comer gelados servidos em enormes copos de papel encerado. Gelados bons, aliás. Foram o nosso jantar. O Ted Drewes Frozen Custard merece bem a estrela (worth making plans to visit) que o Route 66 Dining & Lodging Guide lhe atribui.

2008-02-05

Barcos, Alturas e Limousines

(Route 66 – notas de viagem IV)
A meu ver, se há coisa que nunca se deve perder em qualquer local que visitemos é um passeio de barco, se o houver.
Quando o Zé Maria venceu o Big Brother levaram-no a Paris e foi ver os telespectadores a rir, galhofando do barranquenho, no Sena, na proa do bateau mouche, de olhos arregalados e boca aberta de espanto. Eu, por mim, já fiz aquela figura por duas vezes e não me importava de a fazer pela terceira.
Também na América há que entrar em todos os barcos que façam passeios turísticos:
Na Briktown de Oklahoma City, apesar dos mosquitos e da jovem timoneira, também ela americanamente simpática e mais pesada do que recomendaria qualquer médico e faladora, faladora, mais barulhenta que um bando inteiro de gralhas.
No rio Mississipi em Saint Louis porque é daí que se pode ver o Arco em toda a sua grandiosidade, simplicidade e beleza.
Na baía de São Francisco, desde Fisherman's Wharf até Golden Gate Bridge (há um cruzeiro alternativo com visita a Alcatraz mas eu nunca viajo para ver coisas feias e prisões, sei-o por experiência profissional, são lugares feios).
Em New York, desde Battery Park até Liberty Island (é preciso ir também, a Brooklin e ao topo do Empire State Building, porque andando em Manhattan não se vê Manhattan). À Estátua da Liberdade não pudemos ir. Consta que as bichas são enormes e que o melhor é comprar o bilhete um ou dois dias antes. De qualquer modo, àquela hora, já estava fechada.
Mas, passeio de barco é no Rio Chicago, em cujas margens se debruçam todos os arranha-céus que justificam o apelido da Architectural City. Inicia-se a viagem perto do Navy Pier que é hoje um parque de diversões, como o é o Pier 39, San Francisco's Premier Bay Attraction, onde o cruzeiro à ponte começa pela vista da colónia de leões marinhos que resolveu fazer casa dentro da doca, em cima de uma balsa. Há aqui atracções que, para um maluco dos camarões e do cinema como eu, são imperdíveis: O Bubba Gump Shrimp Co. Restaurant and Market, uma indústria criada à sombra de um filme, onde os camarões panados e o ambiente são uma delícia. Há, também, fruta que só se viu na Califórnia: umas cerejas gigantes que provámos e gostámos e uns morangos do tamanho de maçãs que vimos ser compradas à peça, acompanhadas de um boiaozinho de uma compota estranha (a Lena diz que era chocolate) onde o jovem casal de compradores mergulhava o fruto antes de cada dentada.
Subir ao ponto mais alto que houver por perto é, também, sempre, imprescindível. Se o vento obrigar, como foi o caso, ao encerramento da Sears Tower, o John Hancock Center é uma excelente alternativa para ver Chicago aos nossos pés e, no rés-do-chão, tem um enorme The Cheesecake Factory (upscale casual dining restaurant offering over 200 menu selections - diz a publicidade), naquele dia ensolarado cheio de famílias em passeio.
Na plana América que eu vi, onde até as montanhas entre o Nevada e a Califórnia se subiram e desceram com facilidade, não havia muito sítios onde subir. Mas vale bem a pena o Sandia Peaks, onde a mais de 3000 metros se tem uma vista fabulosa de Albuquerque e do Novo México até ao horizonte.
O Gateway Arch of Saint Louis tem no seu interior umas pequenas cabinas mal amanhadas, em fibra de vidro, onde cinco pessoas apertadas e curvadas podem subir até ao topo. A coisa é ligeiramente arrepiante: para acompanhar a curvatura do arco há, de vez em quando, um estremeção e um ranger de metal que não deixa ninguém muito à vontade. A pequena americana, de olhos ligeiramente esbugalhados, transmitindo um medo que os adultos guardavam para si, não parou em toda a viagem: Daddy, funny egg! Funny egg! Dias depois do regresso a Portugal li que o sistema tinha avariado e as pessoas ficaram lá fechadas durante duas horas. Não me surpreendeu mas não gostaria de ter passado pela experiência. Lá em cima, umas janelas raquíticas permitem ver toda a região de St. Louis e, em grande plano, o Busch Stadium, home of the Cardinals, àquela hora cheio de adeptos de baseball.
Há também que, cinefilamente, subir e descer Mulhohand Drive, embora a pequena colina onde está o Getty Center já seja suficiente para se ter uma belíssima vista panorânica sobre Los Angeles.
Em Hollywood há um stand ao ar livre, à beira da rua, cheio de Rolls-Royce em 2ª mão mas, apesar de eu conhecer várias pessoas que gostariam de ter na garagem um Rolls-Royce e nenhuma que lá quisesse ter uma limousine, parece que os nativos preferem as limousines. Limousines são americanices. Monumentos ao mau gosto que nós europeus instintivamente associamos a americano. Carros disformes, feios, conseguidos por mero corte, acrescento e soldagem de outros carros, cada uma mais aberrante que a outra. Via-as feitas de Hummer’s e de Ford Super Duty’s. São especialmente numerosas em Las Vegas. Imaginamo-las, todas, levando no seu interior estrelas de cinema, mafiosos ou cantores de rap. Algumas, talvez, jogadores afortunados. Certo é que uma delas transportava um bando de adolescentes barulhentos emergindo das janelas abertas. Uma das passageiras levantou por momentos a camisola e mostrou as mamas aos passantes. Já tinha visto a cena num filme. Parece-me que ela também.

2008-02-04

Motas. Carros e Camiões

(Route 66 - Notas de viagem III)
Os americanos movem-se. Há quem diga que são incapazes da andar mais de duzentos metros a pé, no que se parecem muito com os portugueses. Movem-se, preferencialmente de carro que o país é grande e a gasolina é barata (€ 0,65/litro). Desde Chicago já tínhamos reparado que agora andam de SUV. Enormes, quase todos, até ao exagero do Cadillac Escalade, grande como uma casa (403 cavalos, 6.2L, V8. Começa nos € 43.000). O pessoal mais fashion anda, como em Portugal, de Mini Cooper, de Volkswagen Beetle ou de Mercedes CLK. Das grandes banheiras americanas que agora são peças de museu nas margens da Route 66, sobram os Ford Crown da Yellow Cab que pintam de amarelo as ruas de New York. Mas, verdadeiramente, só quando sulcávamos um Mississipi barrento e caudaloso a bordo do Tom Sawyer, num passeio que vale a pena sobretudo pela espantosa beleza plástica do St. Louis Gateway Arch, alertados pelo ruído do comboio de mercadorias que foi crescendo, crescendo, até ocupar a totalidade da ponte enquanto os vagões continuavam a nascer da margem esquerda até lhe perdermos o conto, tomámos consciência de que por cá os meios de transportes são grandes, muito grandes. Cem vagões? Não pode ser! Eram mais.
O padrão havia de se repetir dali até Barstow, CA, as paisagens planas e calmas, torrando sob um sol inclemente de 102ºF, regularmente rasgadas por mais um comboio. O clímax é em Flagstaff, AZ, onde, dia e noite, a escassos minutos de intervalo, passa mais um: cento e vinte vagões, cada um com dois contentores (metade deles da China Shipping) sobrepostos, tudo puxado por quatro poderosas máquinas. Acho que vocês não estão a ver. É preciso ficar ali, junto à passagem de nível, durante mais de dois minutos que parecem não acabar, a sentir o chão tremer, a deslocação de ar, como vento forte a fustigar-nos a cara e aquele imenso ruído metálico a estalar-nos nos ouvidos. Às tantas, proibimo-nos de contar mais vagões.
Nas zonas rurais, impõem-se as pickups, inchadas também elas, à frente de todas a Ford Super Duty, rodado traseiro duplo, 2,4 metros de largura e 7 de comprimento e 300 cavalos e 8 cilindros num motor de 5,4 litros ( o Cadillac Escalade tem um motor maior. Os Hummer, que também são muitos, podem chegar aos 6,8 litros e aos 390 cavalos. É estúpido, não é?), uma amarração no centro da caixa, sobre o eixo traseiro, onde repousa um engate em forma de pescoço de ganso, arrastando um reboque longo adaptado às mais diversas utilizações: caravana, transporte de animais, de fardos de palha e das mercadorias mais diversas.
Os camiões são, talvez, mais de metade dos veículos que circulam nas Interstates que substituiram a velha Route 66. Uma caixa de carga de 51 pés de comprimento, puxada por um tractor que tem atrás da cabina uma assoalhada de 6m2. Não vi por dentro mas tenho pena e imagino: instalações sanitárias, cama e kitchenet. Acaba tudo numa caixa do motor que na pequena Europa, para poupar comprimento, há muito meteram debaixo dos pés do motorista.
As caravanas e autocaravanas (RV - recreation vehicles) afinam pelo mesmo diapasão. Cada uma delas do tamanho de duas das que estamos habituados a ver e uma curiosidade: rebocam, ligado por um tirante triangular para estabilizar a direcção, o carro da família.
Motas são Harley-Davidson, aqui a ali com uma Honda ou uma Suzuki intrometida, em grandes grupos à porta dos cafés e restaurantes das estradas secundárias, montadas por gigantes mal barbeados, em romagem pela Mother Road of América.
Tudo, carros, motas e camiões, circula às exactas 75 milhas por hora sob a vigilãncia atenta da polícia, estacionada na berma ou no separador central da Interstate, pronta a arrancar no encalço do primeiro prevaricador. Lembram-se de The Dukes of Hazzard?
Há dois sítios onde podemos aprender quase tudo sobre transportes na América: Santa Rosa, NM, é uma bomba de gasolina no deserto, a caminho de Santa Fé. Não vou explicar. Eu, nunca tinha visto nenhuma parecida nem, muito menos, tão grande. A Gay Pride de São Francisco é um enorme Carnaval em Junho: Centenas de Harleys abrem o desfile e seguem-se durante horas e quilómetros, carros, camiões, segways, bicicletas e patins e sapatos, que também muitos desfilaram a pé. Num pequeno largo, no entroncamento da Market Street com uma rua secundária, um gay tímido, volteia sobre os patins em linha, sonhando, em suaves volutas, com o principal papel feminino de um qualquer ballet clássico. Na avenida, lá para o fim do desfile uma avultada delegação da polícia, o carro patrulha de pirilampos ligados escoltado por enormes matulões devidamente fardados, as mãos dadas em enlevos discretos. Mais atrás, a delegação da Legião Americana, uma parte deles, talvez por já demasiados trôpegos, abarrotando um eléctrico. Os outros a pé, de fardas devidamente engomadas, o peito coberto de medalhas. Todos afirmando o seu orgulho gay, apenas divertindo-se ou, melhor seria, proclamando que cada um devia poder ser o que quer ser. Em qualquer caso, vistas as rugas, o andar titubeante, a curvatura das costas e calculada a concomitante idade, muitos, certamente, já não sexuais.

2008-01-13

Americanos

Vêm de Portugal? Deve ter sido uma viagem muito cara. Porque é que estão aqui? Acho que nunca cá vi um português. Estávamos em Oklahoma City, no Crossroad Mall (ou era no Penn Square?), na Lane Bryant, (the fashion leader in women’s plus-size clothing) e a curiosidade da vendedora era genuína e simpática. Ir à américa e não ver um Mall é como ir a Roma e não ver o Papa (o que aliás, já me aconteceu. De qualquer modo, já o vi o Papa a passar no Marquês de Pombal). Simpatia foi uma das grandes surpresas das férias: Vocês sabiam que os americanos são muito simpáticos e educados? Eu, confesso, não ía com muitas esperanças.
A jovem empregada de mesa em St. Louis: I never see the Ocean. Is not amazing? Por todo o lado: Portugal é na Europa, não é? Próximo de Espanha? Lá falam espanhol? Não, não falamos. Falamos português, like in Brazil. O Português é a quinta língua mais falada no Mundo, não sabia?
Em San Francisco, o Sr. de fato interrompeu a leitura do Financial Times e, logo que entramos no autocarro a conversar animadamente, colocou um largo sorriso e falando num português lento, com forte sotaque, mas muito bem construído: Estão a falar português, são de Portugal? Eu conheço Portugal. Conhece Minde? Tenho lá uns amigos: A Ana e o Jorge Pires. A conversa continuou animada até ao fim da viagem, o Sr. falando do Algarve e do Minho: Braga, conheço bem, já lá estive nas festas de São João! Sardines, I like very much. Ou o casal que percorria a Route em sentido inverso para visitar familiares na Costa Leste: I’m japanese... borned in San Francisco, dizia enquanto admirávamos, no parque de estacionamento do Motel, o camião que também tinha rodas de comboio para poder exercer a função de fiscalização das linhas. Engenheira informática de Silicon Valley, também não se lembrava de, antes, ter visto um protuguês.
Ou aquele outro viajante, junto ao Oklahoma Route 66 Museum, em Clinton, OK, a quem pedi para me deixar fotografar a sua extravagante Harley-Davidson e que levou a simpatia ao absurdo de afirmar que eu falo bem inglês!
Cuba, Mo, The Mural City, em Crawford County é uma cidadezinha que, passadas 85 milhas de St. Louis, se faz anunciar por uma enorme placa informativa na beira da Interstate 44: Visitors and Information Center: Portugueses? Nunca cá tive um português. Têm de assinar o meu livro. (livros de visitas é o que não falta ao longo da Route 66. Cheios de patriótica vaidade, deixámos os nossos nomes em alguns deles).
Os americanos são, pois, simpáticos. E gordos. Muito gordos. Exageradamente gordos. Parece, ao menos a acreditar nos anúncios no dorso dos autocarros que chamam a atenção para os perigos da gordura nas crianças que estão, finalmente, a tomar consciência desse facto. Chega a ser incomodativo: Ao terceiro dia de viagem, ainda em Chicago, fiz no meu caderno de apontamentos um tosco desenho, algo como um ovo com pernas, a que chamei “Chicaguense médio visto de costas”. Jovens mães com evidente obesidade mórbida. Motoristas de camião com braços mais grossos que as minhas pernas. Por todo o lado, para grande gaúdio dos fabricantes de cadeiras de rodas eléctricas, gente que já não conseguia arrastar o próprio peso e, até, SUV’s com gruas montadas na bagageira, para fazer subir e descer essas cadeiras.
Estes americanos não vivem, ao contrário do que se pode julgar, em arranha céus que, fora Manhattan, ou a Downtown de Chicago são pequenos aglomerados, em geral nos chamados Finantial District das maiores cidades. No mais, desde as quintas verdes do Illinois até à Califórnia, o que vemos é um país plano com poucas árvores e, quando há uma árvore, é certo que ao seu abrigo está uma casa de madeira, térrea, com um pequeno jardim, exactamente como a dos Simpson’s. Luxuosas em Beverly Hills. Compostinhas nos subúrbios de classe média. Práticas nas quintas, com arrecadações em volta e tractores no terreiro. Degradadas, sem ver pintura há longos anos, rodeadas de sucata e com roupa estendida ou já de janelas esventradas, em cidadezinhas decadentes.
Os americanos que eu vi são simpáticos, gordos e moram numas casinhas de madeira debaixo das árvores.