2003-08-12

Associativismo, emparcelamento, transmissão

A questão da propriedade florestal e da sua estrutura é, consensualmente, facto a ter em conta em qualquer solução ou pacote de soluções a adoptar com vista a atingir, se não o fim dos fogos florestais, pelo menos a sua redução a dimensões geríveis.
A inadequação da actual estrutura fundiária é claramente assumida pelo Ministro da Agricultura quando reconhece que os proprietários não vão cumprir a legislação porque a limpeza ficaria mais cara que o valor da madeira. Isto dito, (deixando de lado o facto estranho de ver um governante admitir que a legislação é inadequada e sistematicamente violada sem, ao menos, propor a sua substituição), e comparando com a afirmação de um gestor do grupo Sonae de que, e não duvido que tenha razão, a madeira portuguesas é cara, temos todos, sem mais argumentos, de aceitar que é preciso reformular a propriedade silvícola ou as formas da sua gestão. Quanto a isto, são geralmente avançadas duas soluções (a) o associativismo florestal (b) o emparcelamento.
Ora, o associativismo (que era, de resto, uma das propostas do programa de governo do PP) tem algumas dificuldades, aliás amplamente verificadas no associativismo agrícola em geral e vitivinícola em particular que, na estruturada economia controlada do salazarismo, se multiplicou em cooperativas agrícolas, cuja triste história se saldou, num tremendo fracasso económico que levou à extinção ou definhamento irreversível da maioria delas. Muitas não sem que, antes, sorvessem largas quantias, aos associados, ao Estado e à banca. É que essas cooperativas do salazarismo tinham um pecado original: existiam não tanto para benefício dos seus associados (a maioria deles sem o grau de instrução mínimo que lhes permitisse qualquer intervenção nos destinos da cooperativa), mas como instrumentos de controlo da política económica.
Não é por agora vivermos em democracia que as coisas vão ser, necessariamente, diferentes. Os problemas de base mantém-se ou agravaram-se: (i) fraca experiência de trabalho em associação, (ii) nível educacional baixo, (iii) idades avançadas (iiii) enormes diferenças entre os potenciais associados que constituem uma mescla que engloba sociedades agrícolas (investimentos financeiros), agricultores profissionais, reformados, proprietários ausentes, agricultores de fim de semana ou de fim de dia.
Não é possível associar gente tão diferente, já que é da natureza das associações que todos os seus membros sejam iguais.
Quanto ao emparcelamento, é ideia de engenheiros que choca com condicionantes ideológicas que, desde há décadas, impedem que tenha tido, qualquer expressividade relevante em termos nacionais ou, até, regionais (o Prof. Alfredo de Sousa contava que a ideia do emparcelamento veio de um secretário de Estado do Salazar, chamado Mota Campos a quem, por isso, alcunharam de Mata Campos).
Não quero, com isto, dizer que não haja casos em que pode a solução ser o associativismo, como noutros pode ser o emparcelamento. Mas as soluções só serão eficazes se forem aceites por aqueles que as têm de implementar. Há, pois, que dar todas as possibilidades aos interessados de escolher o que mais lhe interessa e não pode, por isso, o Estado deixar de criar condições para que, a par do associativismo edo emparcelamento, possam os proprietários florestais optar pelo modo mais óbvio de alteração da estrutura da propriedade que é a compra e venda entre vizinhos. Isso deve ser feito e pode ser feito, pelas razões e do modo que expus no post FOGO!

2003-08-05

FOGO!

O ordenamento florestal é entendido, por quase toda a gente, como uma necessidade e um meio incontornável para conseguir a limitação da extensão e violência dos incêndios que, mais uma vez este ano e numa escala talvez nunca vista, assolam o Verão português.
Não discutindo nenhuma das formas que têm sido avançadas para conseguir tal ordenamento, convicto, aliás, que todas as formas devem ser possíveis de adoptar, sendo que a cada caso concreto se aplicará uma melhor do que outra, julgo que há uma ou duas que não me lembro de ter visto referidas mas, estou certo, são fáceis de implementar e podem ajudar.
Se nos lembrarmos das profundas mutações sociais sofridas por Portugal nos anos recentes teremos de reconhecer que:
- A população rural diminuiu drasticamente (o distrito de Portalegre tem hoje metade da população que tinha em 1974).
- A utilização da lenha como combustível doméstico (e industrial, cerâmica, por ex.) e do mato como cama de animais e revestimento de pátios e caminhos está reduzida a zero (quando eu era pequeno as ruas da minha aldeia eram todas cobertas de mato, estrumeiras, hoje Pitões das Júnias tem as ruas calcetadas e cobertas de merda de vaca).
- O pastoreio desapareceu.
- Centenas de aldeias perderam toda a justificação porque já ninguém vive em economia de subsistência.
- A população que resta está envelhecida ou diminuída (baixíssima escolaridade, abundante iliteracia, frequentes casos de alcoolismo e outras patologias).
Do que resultou a abandono de terras aráveis hoje cobertas de eucaliptos ou de pinheiros estes, em regra, de nascimento espontâneo e, por isso, absolutamente desordenados, os quais ocupam as várzeas onde antes corriam ribeiros e se fazia a horta – e por isso não ardiam – e por onde hoje se desenvolvem e correm os fogos (passem na próxima semana ou no mês que vem por Mação, Sertã, Vila de Rei, por onde quiserem. Desçam as encostas calcinadas e vejam, lá no fundo, por entre as estacas queimadas, os carreiros de pé-posto, as pontes – uma lage – sobre os ribeiros, as paredes e os socalcos das hortas dos nossos avós).
Essas terras abandonadas são de quem?
Há 600.000 proprietários florestais em Portugal, dizem responsáveis. Errado, digo eu. Juridicamente, os proprietários florestais são mais de 2.000.000.
A tal horta abandonada onde crescem os pinheiros espontâneos foi registada pela última vez em nome do avô, que deixou 5 filhos, que tiveram 12 netos. Com os respectivos cônjuges são 24. Muita gente? Já vi terras mais pequenas partilhadas por 40 herdeiros.
A maior parte deles nunca lá foi nem sabe onde fica. (Estão agora impressionados com as imagens da televisão mas para a semana esquecem. De facto, o rendimento anual que dali tiram não dá para jantar fora com a família).

Imagine agora que os 24 se dão todos muito bem e resolvem vender ao vizinho do lado que está interessado em aumentar a seu próprio terreno para 2.000 metros e tem a expectativa de, com duas ou três compras destas, conseguir uma exploração de dimensão que justifique investimento em ordenamento e limpeza.
Fazer o trato sucessivo (ou a escritura de usucapião, excrescência medieval que, semana após semana. enche as páginas dos jornais regionais), inscrever na matriz, registar (quantos centos de euros já lá vão?). Procurações (quanto custam? Se forem irrevogáveis mais de € 100 cada) ou, em alternativa, juntar todos os 25 no Notário. Ah! E o comprador paga 5% de sisa (como é que se chama agora?).
O legislador daria certamente um bom contributo ao ordenamento florestal se tornasse totalmente gratuitas todas as operações legais tendentes a propiciar a compra e venda destes terrenos, com a única condição de que tal servisse para unificar dois terrenos contíguos. E a burocracia onde fica? OK. Eu transijo. Ponham lá que a gratuitidade fica condicionada aos casos em que da operação não resulte uma área superior ao dobro da unidade de cultura. (A propósito de unidade de cultura. Quando é que foi fixada pela última vez? Tem alguma relação com as actuais condições técnicas de exploração?).
Claro que um bom cadastro geométrico ajudava. Custaria muito que uma parte dos milhões que se anunciam fossem dirigidos para a sua realização?