2005-09-05

Morreu o concurso de professores. Ainda bem.

José Sócrates anunciou que os concursos de professores dos ensinos básico e secundário vão passar a valer por quatro ou três anos, segundo a duração do respectivo ciclo.
Eis uma boa notícia.
Finalmente, temos um Governo que vê o óbvio, seja, que o concurso anual de professores já não faz sentido.
A intenção política anunciada carece, no entanto e como todas, de ser criteriosamente implementada, sob pena de as melhores intenções morrerem na primeira esquina dos interesses.
Em primeiro lugar, há que ser claramente percebido que um professor do 1º ciclo do ensino básico nada tem a ver com um professor de uma física do ensino secundário.
Não tendo nada a ver um com o outro não têm que ser misturados no mesmo concurso.
Em segundo lugar, há que entender que os professores do quadro de nomeação definitiva, nada têm a ver com os candidatos à docência e, por isso, não têm que ser necessariamente envolvidos no mesmo concurso.
Em terceiro lugar, há que entender que todos os sistemas têm perdas. Todos os sistemas tendem para a degradação.
Em quarto lugar há que perceber que as necessidades efectivas do sistema educativo são independentes das necessidade de emprego.
O actual sistema de colocação de professores, tendo, legitimamente, a ambição da perfeição, foi-se deteriorando ao longo dos tempos e esgotou o seu prazo de validade.
Há mais de dez anos que fiz uma proposta simples e claramente necessária: Faça-se, antes de tudo, um concurso que constitua um sistema global de permutas, restrito aos professores do quadro de nomeação definitiva, de modo a colocar o maior número possível de professores nos lugares que efectivamente pretendem.
A experiência mostra que o sistema de concursos que tem vigorado coloca apenas um pequeno número de professores nos lugares que estes pretendem, um largo número de professores relativamente próximo dos lugares que pretendem e, finalmente, os restantes (os que são entrevistados pelas televisões), longe dos lugares que pretendem.
Este é um efeito perverso do desejo de perfeição do sistema que se compreende com um exemplo simples: Imagine-se que todos os professores de física do ensino secundário eram de Lisboa e queriam trabalhar em Lisboa e todos ordenavam as suas preferências de igual modo. De acordo com a lista graduada (onde todos os professores são ordenados por ordem decrescente da sua classificação profissional), apenas o primeiro fica no lugar que pretende e os demais irão ficar cada vez mais longe dele. Quando surgir uma vaga, (mantendo todos a mesma ordem de preferências), a colocação de um deles nessa vaga, implica a mudança de todos os outros com menor classificação profisisonal. No concurso seguinte todos estão um bocadinho mais próximos do lugar que pretendem, mas todos, efectivamente, fora do lugar que pretendem.
Com um horizonte de três ou quatro anos as pessoas podem fazer opções. Se for permitido aos professores do quadro de nomeação definitiva permutar, colocaremos a maioria deles em lugares aceitáveis e faremos com que as suas opções de vida se alterem no sentido da estabilidade (ex: a família quer comprar uma casa e hesita entre o Fogueteiro e Alverca porque não sabe onde é que o cônjuge professor vai ser colocado no próximo ano, sendo que o cônjuge do professor trabalha na margem Norte. Se o professor for colocado em Vila Franca de Xira, o lógico é que a família opte por ir morar para Alverca.
Do mesmo modo, no que respeita às periferias, onde muito do mau aproveitamento dos alunos é directamente relacionável com a instabilidade do corpo docente: É possível às famílias pensar seriamente em estabelecer-se numa cidade de província se daí lhe advier segurança e estabilidade. Mas não é possível fazê-lo com um horizonte de um ano lectivo.
A boa idéia do governo terá, pois, todas as condições de êxito se for devidamente ponderado este tipo de questões.
Mas isso implica deixar de pensar o concurso de professores, como um momento alto da política, cujo início e conclusão é motivo de abertura dos telejornais. Afinal, não é isso que acontece com o provimento de mais nenhuma das muitas profissões públicas que, como os professores, devem exercer a sua actividade não na sua terra mas onde são precisos. No caso, onde estão as crianças.
O caminho não é fácil mas é possível. O Governo deve, no entanto, contar com inúmeros obstáculos, dos quais o menor não será a atitude dos sindicatos cujo poder desproporcional se alimenta, além do mais, da confusão deliberada entre professores e candidatos à docência. Porque, não tenhamos dúvidas, se o governo levar avante a mudança anunciada, vai haver muito jovem licenciado a ter de perceber rapidamente que o seu futuro não passa por ser professor.