2005-12-30

O Silva

Carlos Silva
Nunca no tempo de Salazar o País foi tão capitalista, os trabalhadores tão mal tratados, a sociedade tão sociedade de consumo , a educação e o ensino tão maus, como no País dominado e transformado pelos Cunhal, Soares & Cª.
(comentário ao texto “Vivemos a ‘silly season’ de Inverno”, de
Miguel Sousa Tavares, in Diário Económico, 30.12.2005)

O comentário acima transcrito é exemplar do tipo de idéias que circulam em blogs, comentários e colunas de opinião.
De repente, ou nem tanto, os media foram invadidos pela direita e é preciso uma lupa para descobrir um texto vagamente de esquerda que, mesmo quando é, como no caso daquele que suscitou o comentário transcrito, relativamente anódino, não se escapa de sobre ele cair militantemente a miríade de direitinhas que se assenhorearam de todo o espaço comunicacional. Uma colorida excursão que engloba desde um enfatuado Espada, a poetas mouros trauliteiros, um culto Pacheco, valentes em ajuste de contas com o passado, directores de jornais, comentadores encartados em geral e prolíficos silvas que, como se sabe, é planta que tanto pega de raíz como de mergulho ou de ponta e ai do agricultor que se não preocupar em as manter no seu lugar.
Atentemos agora no Silva da epígrafe, por manifesta e humana impossibilidade de nos ocuparmos de todos ao mesmo tempo e, também por, tem que ser reconhecido, a frase transcrita ser brilhante síntese da ignorância, da manipulação e dos desejos comuns a todos esses escribas.

Vejamos:
Nunca no tempo de Salazar o País foi tão capitalista
Tem o Sr. Silva toda a razão. Nem sequer se devia espantar e melhor seria mesmo que as rugas de expressão que gasta no espanto as gastasse a ler alguma coisa de história. De facto, o Salazar nem sequer era capitalista e abominava, mesmo, todos os
capitalistas e o seu sistema de governo, seja, a democracia representativa.
Nunca os trabalhadores foram tão maltratados
Tem o Sr. Silva toda a razão. Aqui tem, aliás, razão sobretudo se for funcionário público como eu. Ah quer saudades do tempo em que um oficial de finanças conseguia sustentar todas a família, com a mulher em casa a tratar da roupa e do jantar. Na cozinha que é o lugar das mulheres. Ah que saudades do tempo em que um major do exército tinha direito a impedido para fazer as compras libertando assim a Sra. do Sr. Major para a canasta.
Mesmo se não for funcionário mas oriundo dos campos de Portugal, como eu, continua o Sr. Silva a ter razão. Ah que saudades do trabalho de sol a sol a troco de um litro de azeite. Ah que saudades da casinha sem água, sem luz eléctrica e sem casa de banho, das ruas da aldeia cobertas de mato roçado a tostão a paveia, das migrações periódicas – para não morrer de fome na aldeia – vindimar no Bombarral e em Alenquer, dormindo numa arribana em cima de um molho de vides, ceifar trigo em Telheiras e no Monsanto, contratado ao dia na praça dos homens alí onde está a Churrasqueira do Campo Grande. E reformas. E segurança social. Ah Silva! É assim mesmo homem! Tu é que sabes disto! (e de História).
Nunca a sociedade foi tão sociedade de consumo.
Ó Silva aqui é que te baralhastes. Então tu não sabes que, naquele tempo, nem sequer o conceito existia. A sociedade não era de consumo. Era de subsistência.
Nunca a educação e o ensino foram tão maus.
Aqui tenho dúvidas. Terá ou não o Silva razão? Depende. Se teve dois filhos como eu que, pelo menos desde os seus dezoitos anos, sabem mais do que sabia na idade deles, o Silva não tem razão. Se acha, com o Cardeal Cerejeira, que um bom ensino é aquele que habilita os homens a ler, escrever e contar e, como o meu avô, que as mulheres não devem saber ler e escrever, então o Silva tem razão. Proponho, mesmo, que envide todos os seus esforços para repetir a enorme obra educacional de Salazar: fechar as escolas do magistério primário (ou o seu equivalente actual, as escolas superiores de educação) e limitar os liceus (chamam-se agora escolas secundárias) às capitais de distrito.
Não era preciso mais para equilibrar as contas públicas.
Quanto à alegação do País dominado e transformado pelos Cunhal, Soares & Cª. A verdade é que o Cunhal está morto e já não domina coisa nenhuma e quanto ao Soares não tenho dúvidas de que o Sr. Silva fará o seu melhor para que não ganhe. Já que não pode ressuscitar o Salazar vai votar no que de mais parecido tem a jeito: seco, austero, sabedor de finanças e homónimo. Perfeito!

Sem comentários: