2011-10-20

Carta Aberta ao deputado Pedro Saraiva

Sr. Deputado Pedro Saraiva




Acabei de ler o seu currículo no site do grupo parlamentar do PSD e parece-me que o posso tratar assim, simplesmente, por Sr.

Diz lá, no currículo, que é professor catedrático e, por aí, talvez o devesse tratar por Senhor Professor Doutor. Mas, também lá diz que frequentou um doutoramento e, se é certo que para ser Doutor é, normalmente, necessário ter frequentado um doutoramento, não é, de todo, normal que os Doutores digam que frequentaram um doutoramento. Concluo, pois, que o Sr. não é Doutor embora, acredite, fale com eles.

Parece-me, assim, correcto tratá-lo por Sr., como mandam as regras da boa educação.

Boa educação não é, aliás, ensina a minha experiência pessoal, requisito para se ser professor universitário e confirma-o o gesto mal-educado da distribuição de post-its aos seus colegas deputados, num tique de mau professor universitário, comediante frustrado que confunde o estrado onde dá aulas com um palco de teatro e, na plateia, só vê alunos ignorantes e calaças.

É, por outro lado, evidente que o grupo parlamentar do PSD precisa de boas sugestões.

Ora, as pessoas vivem dos seus rendimentos (usada, aqui, a palavra rendimento no sentido corrente de conjunto de proveitos financeiros regulares, independentemente de a sua origem ser o trabalho, o capital, os negócios ou qualquer outra actividade lícita) e o Sr. deputado foi eleito em representação das pessoas do distrito de Coimbra, independentemente das origens do dinheiro de que essas pessoas vivem.

Sugiro, pois, o seguinte:

Que explique, ao Sr. Ministro da Finanças, a todo o Governo e aos seus colegas deputados da maioria parlamentar, que não interessa em quantas prestações são os rendimentos recebidos ao longo do ano. Que as pessoas vivem é do dinheiro que recebem ao longo do ano. Que, se apenas se olhar para as pessoas que recebem os seus rendimentos em catorze prestações, então estamos a olhar, apenas, para quem trabalha ou já trabalhou. Explique-lhes mais: que se apenas se olhar para quem trabalha ou já trabalhou na Função Pública, então isso significa colocar o encargo da salvação de Portugal sobre os ombros de, apenas, uma parte dos portugueses.

Estou certo de que o Sr. deputado fará o favor de reconhecer que a minha sugestão é clara e cristalina, de execução simples e de uma justiça que até uma criança entende, quanto mais um professor universitário, por arrogante que seja.

2009-11-10

Nostalgias

Um amigo meu, agora num atempado e merecido gozo da reforma, ocupa uma boa parte do seu tempo na internet enviando à sua mailing list um grande conjunto de emails de diverso tipo: fotografias de maravilhas da natureza, fotografias de tempos antigos, artigos de opinião (estes, todos, contra o governo que o meu amigo julga a encarnação do mal e da estupidez).



Um dia destes mandou-me uma colecção de velhas fotografias dos velhos barcos que, antes de 1974, asseguravam o transporte de pessoas e mercadorias entre Portugal e as Colónias. O assunto do email era: “Não é saudosismo, é nostalgia…”

Porque o “assunto” me irritou, respondi-lhe com a definição de nostalgia que os dicionários dizem vir do francês e ser uma tristeza profunda causada por saudades do afastamento da pátria ou da terra natal, um estado melancólico causado pela falta de algo.

E acrescentei que, não vendo que lhe faltasse algo que pudesse ser compensado pela visão de alguns velhos barcos, teria então de concluir que tal melancolia era provocada por saudades de uma "Pátria" que já não existe.

Mais acrescentei que, andando o meu amigo sempre a recomendar leituras, havia de permitir que lhe recomendasse os "Textos escolhidos, Vol. I: Portugal, o Ultramar e o futuro" de Manuel José Homem de Mello, recentemente reeditado e apresentado no passado dia 5 na Fundação Mário Soares (começa a ser tempo de os portugueses arrumarem esta questão e perceberem que as independências das colónias só pecaram, no que a Portugal diz respeito, por tardias).

É claro que o meu amigo não gostou e, claramente enxofrado, como se diz na minha terra, respondeu puxando dos seus galões anti-salazaristas de degredado para os Açores ao tempo da sua vida militar por ter sido considerado "Um oficial com ideias políticas" e recusou a responsabilidade do “assunto” já que havia reenviado o email tal como o tinha recebido e, apenas, por considerar que as imagens dos navios do velho Portugal colonial, além de serem um documento histórico, dizem muito àqueles que fizeram o seu serviço militar nas antigas colónias portuguesas.

Tudo isto é, por certo, muito verdade. Mas eu, que nem tenho especiais credenciais anti-salazaristas para exibir que gosto de história e sempre reveria com interesse um documento sobre a frota colonial portuguesa, posso também queixar-me de o “Alfredo da Silva”, que me levou para a Guiné, não fazer parte da galeria.


Mas não é disso que me queixo.


O meu amigo não viu ou não quis ver que o que está em causa é, apenas e só, o título do assunto que é, ele, todo um programa ideológico.


Parafraseando o que diz o Garrett, nas Viagens Na Minha Terra: Há emails que não deviam ter título e há títulos que não deviam ter email.

2009-10-14

A mãe do António Costa

Diz o António Costa numa entrevista ao DN: “A minha mãe está sempre em protesto. Há quarenta e oito anos que é assim, só varia o tema.”


O meu amigo é assim. Parece a mãe do António Costa. Está, há mais de trinta anos, (desde que o conheço), em protesto. Só varia o tema.

Agora na merecida reforma, ocupa os dias a enviar, a uma alargada lista de contactos, carradas de emails a protestar.

Só nos últimos dias, protestou contra o TGV, o NAL, a reforma do Padre Milícias, os vencimentos dos pivots da RTP e a Maitê Proença.

O meu amigo é um homem bom (condição que exijo de todos os meus amigos) mas tem o coração ao pé da boca.
 
O meu amigo faz-me, irresistivelmente, lembrar os Deolinda, de que também gosto muito, especialmente a canção Movimento Perpétuo Associativo que parece ter sido escrita a pensar nele:

 
Agora sim, damos a volta a isto!
Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!

-Agora não, que é hora do almoço...
-Agora não, que é hora do jantar...
-Agora não, que eu acho que não posso...
-Amanhã vou trabalhar...

Agora sim, temos a força toda!
Agora sim, há fé neste querer!
Agora sim, só vejo gente boa!
Vamos em frente e havemos de vencer!

-Agora não, que me dói a barriga...
-Agora não, dizem que vai chover...
-Agora não, que joga o Benfica...
e eu tenho mais que fazer...

Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, e é esta a direcção!

-Agora não, que falta um impresso...
-Agora não, que o meu pai não quer...
-Agora não, que há engarrafamentos...

-Vão sem mim, que eu vou lá ter...

O meu amigo parece a mãe do António Costa.

Acorda, diariamente, convencido de que a sua obrigação é protestar.



2009-10-07

VOTAÇÕES


O LRO leu o post EU VOTO PARTIDO SOCIALISTA e deixou um comentário a que é forçoso responder, desde logo porque, ou muito me engano, é o primeiro comentário a algo que tenha sido escrito neste blog.
Comecemos pelo PS (post scriptum): Diz ele que é uma pena só haver actualizações anuais. Será mesmo uma pena? Quer dizer, será que o que eu escrevo tem algum interesse para alguém? O comentário parece querer dizer que sim, a história do blog parece querer dizer que não, ou muito pouco, ou a muito poucos. Não é que isso me apoquente por aí além mas, às vezes lembro-me de que o mundo ficará mais ou menos na mesma, quer eu escreva ou não e, então, passo a dedicar mais atenção à minha horta, actividade que, entre muitas outras vantagens, faz descer o meu consumo de tabaco cerca de 50%.

Explicação dada, vamos então à política;

Diz o LRO: “Gostaria de saber porque é que cada voto que não vai para o Socrates é um voto na MFL. Isso é uma falácia repetida até à exaustão. Se tal fosse verdade não haveria necessidade de outros partidos e política era só a do poder bipolar e o resto é paisagem. Como os resultados das eleições demonstraram isso não é bem assim.”

Meu Caro LRO,
Por razões que seria demorado explicar, os nossos constituintes optaram por um sistema constitucional semi-pesidencialista quando se poderiam ter decidido ou por um sistema presidencialista, ou por um sistema parlamentarista. A originalidade (quando eu estudei estas coisas havia, ao que parece, sete países no mundo que tinham um sistema semi-presidencialista, incluindo a França que, vista de fora, parece mais presidencialista que outra coisa qualquer) tem tido os resultados que conheces.
Basicamente, foi assim:
O primeiro presidente, não contente com o voto dos portugueses, apadrinhou um partido;
O segundo presidente, não contente com o voto dos portugueses, inventou as presidências abertas;
O terceiro presidente, na ausência de voto dos portugueses, puxou dos galões e acabou com a bernarda em que isto ameaçava transformar-se;
O quarto presidente, não contente com o voto dos portugueses, … não é preciso explicar-te porque ainda tens nos ouvidos aquela inenarrável comunicação.

Como se fosse pouco, os nossos constituintes ainda estabeleceram, para todas as assembleias, um sistema eleitoral, (método de Hondt), com os resultados que também conheces.

A verdade é que, por quase todo o mundo, as eleições servem para escolher as maiorias que hão-de governar.

Em Portugal as eleições parecem servir para tudo menos para escolher quem há-de governar. Fazem-se eleições, nós votamos e todos os derrotados (derrotado é quem não ganha as eleições) continuam a falar como se nada tivesse acontecido, como se ainda não tivesse havido eleições, como se nenhuma importância tivesse tido o nosso voto.

Olha para as eleições do passado dia 27, tal como as vêem os partidos derrotados:
- O PCTP-MRPP ganhou direito a uma subvenção;
- A CDU ganhou eleitores e deputados;
- O BE ganhou votos e deputados;
- O CDS ganhou percentagem e deputados (dois dígitos, gritam eles todos contentes enquanto já falam em partir a espinha ao PSD);
- O PSD ganhou deputados e a Senhora acaba de ser vitoriada em Alcobaça por mil e quinhentos jantantes, e agradeceu com um discurso igualzinho ao que tinha antes das eleições;
- O PS perdeu a maioria absoluta.

Diz-me lá: não é estranho um país onde o único partido que perde é o que tem o maior número de votos?

O que é que tem este arrazoado a ver com a tua pergunta, dirás.
É simples:
Etimologicamente, a palavra Política vem do grego e significa governo da cidade.
Do que eu falava, no meu post, era disso, de Governação.

2009-09-24

Eu voto Partido socialista

Agora reparo que há mais de um ano que não escrevo neste blog.
Faltam pouco mais de 24 horas para terminar a campanha para as eleições legislativas.
É, pois, hora de deixar aqui o meu testemunho:
Eu vou votar PS. Eu vou votar José Sócrates.
Porquê?
Porque é o melhor de todos (o que, concedo, face à miséria concorrencial, não é grande proeza ).
Porque, evidentemente, a escolha é entre José Sócrates e Manuel Ferreira Leite.
Porque cada voto recusado ao Partido Socialista é um voto na Manuela Ferreira Leite

E, na Manuela Ferreira Leite, eu não voto nem morto.
Nunca votei a favor do passado. Não era agora, desta idade, que o ía fazer!