2005-10-24

O MP e Fátima Felgueiras

O Tribunal da Relação de Guimarães deu, segundo as notícias, provimento a um recurso de Fátima Felgueiras, o que terá por consequência fazer o processo regressar à estaca zero.
Em causa estarão escutas telefónicas que o TRG reconhece como ilegais. Serão essas escutas que sustentam a acusação de três alegados crimes de peculato de uso, pelo uso de carro e telemóveis da Câmara em proveito pessoal.
Este facto, o de o processo regressar à estaca zero, deveria fazer-nos reflectir, a todos os que reputam importante a credibilidade da justiça, já tão abalada por este caso e, em particular, o Ministério Público que, embora de momento muito preocupado com a sua próxima greve, não pode deixar de parar um pouco para reconhecer que esta é, apenas, mais uma das suas muitas derrotas.
De facto, pelo menos assim parece a um leitor razoavelmente atento de jornais, quanto mais mediático é o processo mais tendem as posições do MP a esboroar-se por sucessivas pequenas deficiências de construção de complexos edifícios acusatórios que, assim, surpreendentemente, se desmoronam a qualquer sopro mais forte de Advogado minimamente experiente.
A culpa não é dos Advogados que se limitam a fazer o seu papel e, pelos vistos, fazem-no bem.
Uma parte das culpas é, certamente, do sistema legal que temos e tende a encadear processos e delitos.
As outras culpas têm que ser assacadas ao acusador.
Uma das razões é a tendência para uma acusação “calvinista”. É certo que não será legitimo o uso de carro e telemóveis da Câmara em proveito pessoal. É certo que uma ex-primeira.ministra sueca se demitiu por usar (nem, sequer, abusar) numa compra particular um cartão de crédito do Estado. Mas quantos presos teríamos se prendêssemos todos os fazem um telefonema particular do telemóvel do Estado ou das empresas? As empresas, aliás, dão aos seus funcionários telemóveis e carros para serem usados, também, ou principalmente, em actividades pessoais. Um Estado que tantos dizem querer a funcionar como as empresas não terá, um destes dias, de seguir o mesmo caminho?
O MP tem de parar para reflectir.
O MP tem de tomar consciência que o dever dos arguidos é usar os meios legais ao seu dispor para ilidir ou enfraquecer a acusação.
Tem de tomar consciência que os métodos suficientes para acusar os pobres com defensores oficiosos que sempre encheram e ainda enchem os nossos Tribunais criminais não são adequados para acusar quem tem o dinheiro suficiente para contratar um Advogado.
Se o não fizer a vox populi terá razão para pensar que, afinal, a justiça é mesmo um problema de pobres.

Como o meu patrono do estágio de Advocacia, a quem um dia, perguntei qual a estratégia para um determinado processo, o MP parece pensar que a boa solução é disparar para todo o lado ao mesmo tempo. Não leu nos jornais que os americanos (que disparam melhor) gastam uma média de trezentas mil balas por cada morto no Afeganistão e no Iraque.

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